A RELIGIÃO PROIBIDA
José María Herrou Aragón
1. A GNOSE PRIMORDIAL
A Gnose Primordial é um conhecimento, uma sabedoria. Gnose significa isso: conhecimento. Porém não nos referimos a um conhecimento qualquer. A Gnose é um conhecimento muito especial. É um conhecimento que produz uma imensa transformação em quem o recebe. Um conhecimento capaz de, nada menos, despertar e libertar Espiritualmente a quem o obtenha. Seu propósito é esse: jogar luz sobre a situação humana, tratando de despertar os homens e ajudá-los a escapar da prisão em que se encontram. Por isso este conhecimento tem sido tão perseguido ao longo da história, porque é um conhecimento considerado perigoso pelos poderes religiosos e políticos que regem, desde as sombras, a humanidade. Por essa razão a Gnose sempre permaneceu oculta. A Gnose é um conhecimento secreto, só acessível ao buscador que seja merecedor dela. As distintas religiões na história humana têm tratado de fazer com que os seres humanos permaneçam ignorantes desse saber, deste tipo de conhecimento chamado Gnose. Já veremos o porquê.
Ao que chamo de Gnose Primordial é a forma pura de Gnose. É sempre a mesma e nunca mudará, enquanto não mude a situação Espiritual em que se encontra o homem e tudo o que chamamos de “criação” ou “mundo”. As poucas vezes que a Gnose Primordial apareceu abertamente na história, não se fez em sua forma pura, mas sim se adaptando às características culturais e históricas do lugar e da época. Portanto, a Gnose Primordial tem estado sempre por trás de quase todos os sistemas teológicos e filosóficos que tem sido tachados de heréticos, proibidos, perseguidos e forçados a ocultar-se. Pesquisando esses conhecimentos proibidos, é possível recuperar as peças necessárias que nos permitam reconstruir a estrutura completa do que é a Gnose Primordial.
E se esse saber foi descoberto e escrito, esse livro seria extremamente poderoso e terrível. Seria o texto mais perigoso do mundo, capaz de despertar e liberar a quem o leia e estude. Um livro assim seria um objeto estranho dentro deste mundo criado, algo não elaborado aqui, mas sim vindo de fora, de outro mundo totalmente distinto deste. Também seria capaz de sobreviver às chamas e ao tempo.
No desenrolar deste trabalho, tratarei de aproximar o melhor possível ao que foi e é a Gnose Primordial, o saber Gnóstico em sua forma pura.
2. A MATÉRIA É MÁ
Todas as religiões sustentam que “a matéria é boa”, “o mundo é bom”, “foi criado por Deus”. E “Deus é justo, Deus é bom e criou algo bom para o homem”. Por isso diz a bíblia “E disse Deus: ‘Faça-se a luz’, e se fez a luz. E viu Deus que a luz era boa.”
A Gnose Primordial, a que podemos chamar daqui em diante simplesmente de Gnose, com inicial maiúscula, para diferenciá-la de outras falsas gnoses que tem aparecido ao longo da história, sustenta o contrário: a matéria é má e impura, a matéria é a prisão do Espírito. Este mundo material é o inferno. A matéria é má e se a matéria é má, o criador da matéria deve ser, conseqüentemente, alguém mau. Para a Gnose o mundo material, este mundo, tem sido criado não por um deus bom ou justo, mas sim por um satanás criador. A matéria é algo satânico, portanto, quem a criou dever ser também satânico.
3. O TEMPO É MAU
A bíblia não diz, porém, com o Big Bang começou o tempo. No começo mesmo da criação, quando deus disse “faça-se a luz”, estas palavras não podiam ser pronunciadas se não existisse o tempo. O tempo foi criado por um deus criador, ao criar a luz. A grande explosão e expansão iniciais não podiam ter existido sem o tempo. O tempo e espaço foram criados juntos e são inseparáveis. O tempo é a consciência, a respiração, (em espanhol, aliento) do deus criador. E toda sua criação, a expansão do universo, a evolução das espécies, o desenvolvimento paulatino de seu plano, não poderiam ocorrer sem o tempo. Segundo os Gnósticos, o tempo-aliento do deus criador é tão satânico como a matéria e tão satânico como ele.
4. O DEUS CRIADOR
Foram várias seitas Gnósticas, nos primeiros séculos de nossa era, que equipararam a figura de deus criador não a um ser bom e justo, mas sim a de um ser satânico. O equipararam a figura de satanás, várias dessas seitas. Em um de seus contos, Gustavo Adolfo Bécquer nos relata como o deus criador Brahma vai criando os mundos, como bolhas, e como vai aprendendo com eles, e porque ás vezes tais mundos dão certo e às vezes não dão certo. Não é um deus extraordinariamente perfeito, mas sim bastante incompetente, parece. Existem mundos que não dão certo e assim tem que destruí-los. Existem mundos que se saem melhor. Vai provando, vai ensaiando. Vai criando através do ensaio e do erro. A bíblia diz: “Disse Deus ‘faça-se a luz’ e fez-se a luz. E viu Deus que a luz era boa.” Como! Já não sabia? Não sabia que era algo bom? Por isso os Gnósticos dizem “estamos frente a um criador ignorante dos efeitos de sua criação”.
Igualmente, o deus criador sustenta continuamente que ele é o único. Não disse uma vez, mas disse permanentemente, constantemente: “eu sou o único Deus”, “não há outro Deus a mais que eu”, “eu, teu Deus, sou o único”, etc. todos sabemos que quando alguém repete excessivamente sempre a mesma coisa é porque não está muito seguro do que afirma, por isso necessita reafirmar tanto. Os Gnósticos interpretaram isto como se o criador suspeitasse, pois também não está demasiadamente seguro de que não exista outro Deus, muito acima dele. Um infinitamente superior a ele, muito maior, muito mais importante que ele, e isso é o que trata de ocultar ao repetir incessantemente "eu sou o único”, “não há outro Deus fora de mim”.
Indubitavelmente, este deus criador é o criador do mundo, de todos os mundos, dos planetas, do universo, da matéria, do tempo. Ele é o responsável pelo Big Bang, como ensina a física atualmente. Tudo o que a física sustenta atualmente, que tudo começou com uma grande explosão, com uma grande luz, coincide com a maioria dos mitos de distintas religiões sobre a criação do mundo. Primeiro deus criou a luz, depois foi criando distintas coisas até chegar aos animais e por último ao homem. Todos esses mitos, que estão na bíblia e em outros livros religiosos coincidem, com respeito à criação do mundo e do homem, com as conclusões atuais de físicos e biólogos.
Claro que toda essa criação está plena de erros, não é perfeita. E se este mundo é imperfeito, se a matéria é imperfeita, é porque o criador de tudo isto, é imperfeito. Hoje um Gnóstico diria, por exemplo, que “o aparecimento dos dinossauros foi estúpido, foi um erro, o criador teve que anular tudo, extinguir tudo isso e começar de novo, outro experimento, até chegar a algo que o satisfaça.” Porque o deus criador tem planos. Veremos mais adiante do que se tratam.
A física afirma, com Eisntein, por exemplo, que o universo não é algo infinito, mas sim uma espécie de bolha onde está contida a criação. O universo é finito, afirmou Albert Einstein. Esta criação está limitada, é como uma bolha gigantesca onde está contido todo o material criado pelo deus criador e não sabemos o que existe fora disso. A Gnose afirma sabê-lo, já veremos.
Segundo se diz, inspirados pelo deus criador do universo, livros sagrados de distintas religiões, nos relatam feitos, detalhes, que mostram o deus criador como um ser não muito perfeito e não inteiramente bom. O descrevem às vezes como um deus vingativo, colérico, soberbo, inseguro e indeciso. Um deus que ama os sacrifícios em seu nome, os genocídios, e que ordena matar a outros povos para apoderar-se de seus pertences, de suas terras, de sua gente, de seu gado. Ordena matar não só os inimigos, também as mulheres, as crianças, os animais. Um deus genocida. Este deus exige sacrifícios em seu nome, pois ama o odor da carne queimada das vítimas imoladas sobre o altar. Este deus que provocou o dilúvio. Quantos milhões e milhões de homens morreram afogados pelo dilúvio! Assim o relata a bíblia e outros escritos anteriores, como o dilúvio babilônico, por exemplo. Gosta dos sacrifícios humanos e de animais e do sangue derramado de seus inimigos. Gosta que o admirem, que o adorem, que o sirvam, que o temam, que o obedeçam. Gosta dos templos edificados em sua honra, os rituais, os mandamentos, que cumpram suas ordens, que elevem orações a ele. Gosta da dor de suas criaturas, das torturas, do sofrimento. Os Gnósticos antigos lhe davam o nome de Ialdabahot, que significa “filho do caos”, e às vezes o nome de Sabaot: “deus dos exércitos”. Também foi chamado de Kosmocrator ou o Grande Arconte, o criador e ordenador da matéria. Porém o nome com que mais comumente se designa na Gnose é o de demiurgo, que significa “criador” em grego.
Sem dúvidas, este “ser superior” não pode ser um ser bom, e quem afirmou estas idéias que estou relatando, no decorrer da história, logicamente foram perseguidos e pagaram com a vida a ousadia de dizer o que para eles era a verdade. Um ser superior que ama as guerras, os infanticídios, que ordena mutilações genitais nas crianças, sem dúvida não pode ser um deus bom. Por isso os Gnósticos o equipararam a satanás. O consideravam um satanás criador. Já sabemos qual foi o destino dos Gnósticos, de suas doutrinas e de seus livros: queimados e perseguidos. Tal é o destino de estes chamados “hereges”, como foi designado no curso da história.
Este mundo, criado pelo deus criador, pertence somente a ele. Todo o material que existe no mundo lhe responde, adora a ele, admira ele. Se essas doutrinas que estamos relatando estão condenadas a serem perseguidas sempre, logo, não vão apresentar grande êxito. Somente uma minoria valente pode estudar, interpretar e afirmar tal doutrina. Estão em terra inimiga, aqueles que sustentam as idéias Gnósticas antigas e eternas. Porém, a Gnose está sempre presente neste mundo estranho que não lhe pertence. E este pensamento Gnóstico, oposto ao estabelecido, é o mais perseguido e rechaçado universalmente. Existem temas que “não se podem” tocar, existem coisas que “não se devem” dizer, existem livros que “devem” desaparecer, pois vivemos em um mundo em que somente existe liberdade para dizer “dois mais dois são quatro”.
Este mundo é um campo inimigo para um Gnóstico. Um Gnóstico poderá aparecer, dizer algo e desaparecer rapidamente, pois toda criação se voltará contra ele automaticamente. Quantos anos pôde pregar Jesus Cristo, segundo o mito cristão? Somente três. Porém, desses três anos, se originou uma religião exitosa que já leva mil anos sobre a Terra!
Dizíamos que este mundo é um campo inimigo para um Gnóstico, porque todo o mundo material e todos os seres que o povoam são feitos de matéria e o criador da matéria não pode conceber algo diferente. Tudo que se oponha ao mundo material e seu deus criador é perigoso e deve ser destruído. A Gnose, portanto, é percebida como algo inconcebível e horroroso que deve ser eliminado.
Os Gnósticos têm representado o deus criador com formas horríveis. Com formas de um pólipo ou um réptil, com cabeça de cervo, de javali ou de asno. Por isso algumas religiões proíbem comer estes animais. Também o representam parecido com o baphomet demiúrgico, dos templários e maçons. Alguns o tem representado como um javali gigantesco, semi-dormido, com o corpo cheio de olhos e que exala um aliento que é o tempo, pois como dissemos, o tempo é a consciência desse deus criador.
Este mundo não é bom, sem dúvida alguma. Os animais tem que digladiar entre si, destroçarem-se, para poder comer e sobreviver. Os seres humanos necessitam enganar uns aos outros em todas as ordens da vida, para superarem-se, para competir, para sobreviver melhor. Os animais herbívoros necessitam destroçar plantas, que são seres vivos também. Tudo se auto-destrói e destrói aos demais constantemente. E existem aqueles que chamam isto de “perfeição” ou “equilíbrio perfeito”. Incrível. Isto é o inferno. Não é um sistema perfeito e muito menos, bom. É um sistema em que cada um deve destruir ao outro para poder sobreviver. Este é o sistema criado, este é o mundo criado por um “ser superior”: o deus criador ou demiurgo.
5. A CRIAÇÃO DO MUNDO
Já vimos que os Gnósticos afirmam que o demiurgo, ou deus criador, é um ser bastante inepto e ignorante, que ignora os efeitos que ocorrerão a cada criação que vai realizando. Vai provando, vai avançando em sua criação através do ensaio e erro. Também equiparamos os mitos da criação com o Big Bang da física moderna. Existe um extraordinário livro escrito por Oscar Kiss Maerth, intitulado “The Beginning Was the End” (“O Começo foi o Fim”), onde está perfeitamente explicito este paralelo entre a gênese bíblica e a física moderna e coincidem perfeitamente ambas as posições.
Os Gnósticos diziam, por exemplo, que este deus é um deus que se cansa, que necessita descansar no sétimo dia e que isso não se parece a um deus imensamente perfeito.
Os Gnósticos sempre afirmaram que o universo foi criado por um demiurgo, por um criador perverso e malvado. Sempre se perguntaram por quê o universo é tão imperfeito. É assim porque foi criado por um ser igualmente imperfeito. O fez a sua imagem e semelhança. Outra coisa interessante nos mitos das distintas religiões é que o criador não está criando sozinho, o criador sempre diz “façamos”, como se fossem vários criadores trabalhando em grupo. “Façamos isto”, “façamos aquilo”, “façamos um homem”, “façamos-lhe uma companheira para que não fique só.” Façamos, façamos. Por quê? Quem são os demais? Com quem está criando?
São Agostinho em seu livro “Sobre a trindade” diz uma só vez muito claramente, com muito engenho e habilidade. O criador está dizendo “façamos”, está falando no plural, porque está falando de três pessoas divinas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que são três e um de uma só vez. Por isso deus fala no plural. Nunca mais Agostinho volta a falar neste tema. O deixa enterrado aqui de uma vez por todas.
Para a Gnose, o demiurgo não está só em sua tarefa de criação material, de dar forma a distintos mundos, a distintos processos evolutivos, a distintos seres, a distintos entes que vai criando. Na Índia, por exemplo, chamam-se devas, os devas construtores. São os anjos que ajudam na criação. São inferiores ao deus criador porém estão com ele, ajudando-o. O deus criador delegou tarefas a muitos desses anjos criadores. Isto se afirmava na antiga Babilônia e nas religiões do antigo oriente. Inumeráveis anjos criadores que ajudavam o criador a desenvolver seu plano no mundo material, ou, como diriam os Gnósticos, no mundo infernal da matéria, ao qual ele vai criando e dando forma.
O deus criador é o chefe, porém conta com uma legião de ajudantes, de anjos-demônios construtores que o secundam em sua criação e cumprem suas ordens. Por isso no Gênesis ao criador se chama de elohim. Assim começa o relato bíblico: Bereshit bará elohim (“No começo deuses criaram...”), porque elohim em hebreu é plural, significa “deuses”, “senhores”. Os Gnósticos dizem que estes deuses são o demiurgo e seus anjos-demônios construtores que, em milhares, milhões, em incontável número, o ajudam em sua tarefa de criação.
Inclusive em sistemas religiosos opostos a Gnose, os quais enxergar a obra de criação do mundo como algo bom, se fala desses ajudantes construtores e das hierarquias em que estão divididos segundo suas funções. Existem escritos Teosóficos atuais, como os de Blavatsky e Bailey, entre outros, em que se encontram os nomes e cargos que ocupam. O regente da Terra, por exemplo, é Sanat Kumara. Mudando as letras de lugar, aparece seu verdadeiro nome: Satán Kumara.
Nome apenas ocultado, pois não devem os humanos conhecer, todavia, a verdade, o futuro que o criador lhes tem reservado. É melhor então que o nome deste representante não seja conhecido plenamente... por enquanto. Ainda não está preparada a humanidade para saber que o planeta Terra tem um regente que é um satán. Um satán inferior ao outro, ao grande, ao principal, ao mais importante desse sistema material criado, desse inferno finito, limitado e cheio de imperfeições que há logrado criar.
Nos mitos Gnósticos, estes construtores satânicos que ajudam o demiurgo são representados com formas de animais monstruosos.
6. A CRIAÇÃO DO HOMEM
Quase todos os mitos religiosos relatam que o homem “foi criado por Deus, vindo do barro”. A bíblia diz claramente: “E o senhor Deus formou o homem do pó do solo e soprou em suas narinas o aliento da vida e o homem veio a ser alma vivente”. Aqui nos está sendo dito que deus criou o corpo e a alma do homem. Uma parte física e material, o corpo de barro, e uma parte anímica, o sopro do criador, chamada alma. Agora, se o homem fosse somente um corpo e uma alma, seria como um animal, um animal a mais. Um pouco mais inteligente que os outros, pode ser, mas internamente não seria muito diferente de um animal. Mais adiante veremos que o homem, depois se sua suposta “caída”, o homem como conhecemos agora, é mais que um corpo e uma alma. Existe um Espírito não-criado, não criado por deus, que foi aprisionado, ligado à alma do homem. A bíblia não diz, porque a bíblia fala do criado por deus e deus criou o corpo e a alma. Porém o homem tem um corpo, uma alma e um Espírito, assim afirmam os Gnósticos. Esse Espírito, não criado por deus criador, de onde veio? Por que está aqui? A resposta será vista nos próximos temas.
O homem no Éden, no “paraíso” onde foi colocado por deus, não sabia quem era, cumpria ordens. Por nomes nos animais, por exemplo, ser uma espécie de administrador, de representante do deus criador. Ali, nesse pomar que deus havia preparado para ele, o homem encontrava-se alheio, perdido, não sabia quem era, nem de onde tinha vindo. O homem tomou consciência de quem era, se encontrou consigo mesmo, somente depois do que se chamou de “pecado”, depois da Desobediência, quando comeu o fruto proibido e foi expulso do paraíso. Já veremos também os motivos mais adiante.
deus criou o corpo e a alma, dissemos. Para os Gnósticos toda a criação é satânica, é má, proveniente de um satanás criador, de um demiurgo satânico. Então, não é somente o corpo, mas também a alma do homem é algo mau e satânico.
7. O DEUS INCOGNOSCÍVEL
Para os Gnósticos, acima do deus criador do mundo e do homem existe outro Deus. O deus criador não é o único deus. Há sobre ele outro Deus, infinitamente superior e perfeito. Este Deus, incognoscível para o homem, está fora de toda esta criação infernal e impura. Nenhum homem pode conhecer a este Deus através de seu corpo e alma, imperfeitos e criados. Somente o homem que se libertou totalmente disso pode ter uma pequena idéia, um átimo de intuição de que é esse Deus que está fora do universo finito e limitado. Os antigos gregos o chamavam de Theos Agnostos, o Deus Desconhecido. Este Deus, é para os Gnósticos um Deus não só desconhecido, mas também impossível de conhecer, é incognoscível, pelo menos com nossa forma ordinária de ser neste mundo. Com um corpo e uma alma não podemos ter a menor idéia do que é este Deus que está fora de todo este sistema e que é infinitamente superior ao deus criador. Um Deus impossível de conhecer deste corpo e alma, deste universo criado de matéria e tempo. Este Deus não pertence ao plano material mas sim a um anti-material. É um Deus anti-matéria, abominador do inferno material da matéria criada, ao qual do nosso estado atual, não podemos conhecer, nem sequer imaginar. É um mistério para nós. Este Deus Incognoscível é como um fogo inconcebível e inefável. Ele é o Deus Verdadeiro. Porém este Deus Verdadeiro, normalmente inalcançável, não pode manifestar-se nem atuar neste universo impuro e imperfeito, nestas dimensões infernais de matéria e tempo criados. Somente em casos excepcionais o Deus Incognoscível pode penetrar nestas dimensões, através de algum enviado seu, com a finalidade de produzir alguma troca, com grande sacrifício. Isto acontece somente em ocasiões muito raras, quando se dão as condições aqui, neste inferno material.
8. CORPO, ALMA E ESPÍRITO
A Gnose afirma que o homem é formado por três substâncias, por três elementos: o corpo, a alma e o Espírito. Vimos que o corpo e a alma foram criados por um deus criador. Criou o corpo de barro e o dotou de uma alma, mediante um sopro sobre o nariz do homem. Tanto o corpo como a alma foram criados pelo demiurgo ou deus criador.
Porém existe outro elemento no homem que é não-criado, que não foi criado pelo deus criador. Um elemento que provém de outro mundo, de outro reino, do reino incognoscível da anti-matéria, que em nosso estado habitual não podemos sequer imaginar. Esta centelha anti-material, sem a qual nenhum ser humano pudera evoluir até chegar a ser o que é agora, é o Espírito. Sem Ele, nenhum ser humano teria se diferenciado jamais de um animal comum. Esta centelha especial, não-criada, divina, proveniente do reino incognoscível, é denominada Espírito pelos gnósticos.
Segundo a Gnose, este Espírito, que não pertence a este mundo, fora atraído e encadeado à matéria infernal, pra ser utilizado, para ser usado como um agente impulsionador da evolução material. Foi-se preso em cada homem uma centelha não-criada, para por em marcha todo esse processo evolucionário que está dentro dos planos do deus criador. Utilizam-se Espíritos divinos para impulsionar a evolução deste plano de matéria impura.
O Espírito, totalmente anti-material, está preso, encadeado, aprisionado neste inferno, sofrendo um tormento, que para nós não é possível imaginar. É esta uma das torturas mais cruéis que podem existir, estar amarrado a este mundo infernal da matéria, a esse engendro criado ao qual chamamos de corpo-alma do homem, o qual tem sua razão de ser dentro do Grande Plano do deus criador. O Espírito se encontra encadeado contra a sua vontade e é utilizado em cada ser humano para impulsionar a evolução, para o cumprimento dos planos do deus criador. É um terrível tormento para o Espírito: aprisionado contra sua vontade, num mundo estranho e impuro, sendo usado como objeto descartável para o cumprimento de um plano demencial. Veremos este ponto com mais detalhes mais a frente.
Em outras palavras, o Espírito, a centelha anti-matéria não-criada, proveniente do reino incognoscível, está preso dentro de uma bolha, podemos dizer assim, de matéria criada e está ali encadeado, crucificado na matéria.
Sustentam os Gnósticos que se não fosse pela utilização do Espírito, o homem nunca teria deixado de ser hominídea. Nunca teria evoluído como fez. Vemos com que rapidez, em poucos milhares de anos evoluiu de forma acelerada, tão diferente dos milhões de anos que viveu sendo pouco mais de um “boneco”.
Tal é o poder que provêm do Espírito a este engendro criado, chamado corpo-alma. Este Espírito está atado à alma, se o homem morrer, se retirará a alma e se levará consigo o Espírito atado a ela. Não está atado ao corpo, está comunicado ao corpo, através da alma, seu encadeamento é com a alma. A alma é um sopro do deus criador sobre o homem, que o converte em “alma vivente”. A alma é o anímico no ser humano, não é algo imensamente superior ou infinito, como é o Espírito não-criado.
Sobre estes temas existe muita confusão, por isso, através desta descrição das idéias Gnósticas, estamos mostrando uma postura diferente das habituais, para que cada um tenha ao menos a opção de poder eleger, escolher algo que seja realmente diferente do resto.
O Espírito está neste mundo, porém não pertence a este mundo. Não pertence a este mundo ilusório de matéria e tempo.
Podemos deduzir que se esta centelha de fogo anti-matéria, o Espírito, pudesse libertar-se de sua prisão, seu comportamento neste mundo seria de uma imensa agressividade. Primeiro, porque é anti-matéria, desestabiliza a matéria. Segundo, porque foi enganado de forma infame e encadeado contra sua vontade durante milhões de anos. Logicamente que, num nível abstrato de raciocínio, se esse Espírito pudesse libertar-se, a primeira coisa que faria seria destruir. Destruir tudo que o rodeia neste mundo impuro, neste mundo criado, neste universo material do deus criador. Não se trataria de maldade, seria um comportamento normal de alguém que estivesse confinado em uma prisão, injustamente e contra sua vontade. Enganado e contra sua vontade, dizem os Gnósticos. Aprisionado num mundo ao qual não pertence, em um mundo satânico de matéria e tempo.
Um dado interessante é que, no começo do cristianismo, se afirmava a existência destas três entidades no homem: corpo, alma e Espírito. São Paulo, por exemplo, aceitava isso. São Agostinho também. Logo isso foi se perdendo, através dos concílios e decisões papais da igreja de Roma. Acabou como hoje conhecemos: corpo e alma. Agora parece que a alma é o divino no homem e não existe nada mais. O que aconteceu com o Espírito? Desapareceu. Chama a atenção que tenha ocorrido as coisas assim. Logo voltaremos a isto.
9. TRÊS TIPOS DE HOMENS
Dissemos que o ser humano está composto de corpo, alma e Espírito. Teremos assim três tipos de homens segundo a predominância em cada um deles, da influência do corpo, da alma ou do Espírito. Desde a antigüidade, a Gnose dividia os homens desta forma, em físicos, psíquicos e Espirituais. São Paulo também os denominava assim. Os Cátaros, por exemplo, classificavam os homens também em três classes: hílicos ou terrestres, nos quais predominava o corpo; psíquicos, nos quais predominava a alma e pneumáticos ou espirituais, se predominasse o Espírito.
Em uma das obras Gnósticas encontradas em Nag Hammadi, chamada “Tratado Tripartido”, encontramos a mesma diferenciação dos homens materiais, psíquicos e Espirituais.
Julius Évola, no seu livro sobre Yoga Tântrico, baseando-se nas tradições da antiga Índia, classificava os homens em três tipos, os quais têm as mesmas características que estamos vendo: pasú, virya e divya. Pasú significa animal e se refere ao animal-homem, no qual se predominam o corpo e os instintos. O virya é o guerreiro que luta por despertar, está mais ou menos confuso, porém luta para libertar-se deste mundo material e realizar-se em Espírito. Por último o divya, o terceiro tipo de homem no qual seu Espírito já foi liberto e impera absolutamente. Constitui o homem perfeito nesta classificação.
10. SATANÁS, OPRESSOR
O homem em seu estado normal está imerso na confusão, adormecido, não sabe quem é, nem de onde vem, nem que destino o espera. Não sabe o que deve fazer, está em um estado de confusão, como se estivesse entre nuvens, semi-adormecido.
Quando falamos do criador do mundo, dissemos que para os Gnósticos o criador, o demiurgo, o criador da matéria, do universo e do homem, é equiparado à figura de Satã, pois a matéria é satânica, toda a criação é satânica, o criador é um ser satânico. Este criador é opressor do homem. Desde que criou o homem, o obrigou a cumprir suas ordens, a obedecer seus preceitos, seus mandamentos. Este criador deseja ser obedecido pelo homem, além de ser admirado, temido, adorado, tudo através de sacrifícios e rituais. Quer impor ao homem suas leis opressivas. Quer que o homem o obedeça e que renuncie a seus desejos, que muitas vezes são os desejos de seu Espírito, desse Eu Espiritual que, mesmo que os seres humanos ignorem, o levam dentro de si. O criador, segundo a Gnose, tem um projeto para sua criação, por algum motivo criou o universo e colocou nele o homem. Tem um plano para levar adiante e para isso necessita do homem. Porém, necessita que o homem atue de acordo com os mandamentos de seu criador e não segundo os desejos de seu Espírito. O demiurgo não permite a manifestação do Espírito, encadeado na alma do homem. Deseja que o homem atue com a alma e não com o Espírito. Para isso é necessário oprimir o homem, assustá-lo, preocupá-lo. É um deus inteiramente opressor de suas criaturas.
11. LÚCIFER, LIBERTADOR
Segundo os mitos Gnósticos, Lúcifer é o Enviado do Deus Incognoscível. Havíamos dito que este Deus, o maior, inalcançável e incognoscível, não pode penetrar neste universo limitado de matéria impura e satânica. Mas pode enviar alguém, Lúcifer, segundo estes mitos. Somente com um supremo sacrifício pode um ser de fogo anti-matéria, imensamente Espiritual, puro, penetrar no terreno infernal deste universo. Segundo as lendas e mitos Gnósticos, o grande Deus Incognoscível enviou Lúcifer, anjo de fogo e luz inefáveis, para iluminar os homens, para ajudá-los a despertar e a conhecer sua verdadeira origem, a origem de seu Espírito, perversamente aprisionado nessa matéria impura chamada corpo-alma. É um ser não-criado, que veio ao mundo criado para trazer a Luz: a Gnose libertadora. O conhecimento salvador capaz de despertar os homens e ajudá-los a libertar seus Espíritos cativos. O conhecimento apropriado para que o homem possa conhecer o que é, conhecer a si mesmo, porque está aqui neste mundo e o que deve fazer para libertar-se e se fazer Espírito, que pertence a outro plano, não-criado e incognoscível.
Lúcifer veio ao mundo para despertar o homem, dissemos, para ajudá-lo a recordar sua origem divina, a origem divina de seu Espírito, para ajudá-lo a libertar-se do corpo-alma que o aprisiona e a libertar-se do tempo e da matéria criados.
Afirmam os Gnósticos que o mito bíblico da criação pode ser interpretado da seguinte maneira: o satanás criador do mundo aprisionou Adão e Eva em seu mundo de miséria e Lúcifer, tomando forma de uma serpente, os ofereceu o fruto proibido da Gnose salvadora e lhes demonstrou que o criador os enganava. Efetivamente, o criador havia dito ao homem: “...da árvore do conhecimento do bem e do mal, não comerás, porque no dia que dela comeres, certamente morrerás.” Por sua vez, disse a Serpente: “Morrer, não morrerás; o motivo da proibição é que Deus sabe que no dia em que comerdes dela, vossos olhos se abrirão e sereis como Deus, conhecedores do bem e do mal.” Continua a bíblia: “E se abriram os olhos de ambos.” Não diz “morreram ambos”, diz “se abriram os olhos de ambos”, tal como o havia anunciado a Serpente. Mais adiante, disse o criador: “Eis aqui que o homem veio a ser como Nós, conhecedores do bem e do mal.” O criador mentiu, disse que o homem morreria se comesse do fruto e o homem não morreu. A Serpente disse a verdade. O criador mesmo termina dando-lhe razão. Precisamente, os Gnósticos adjetivam o demiurgo com as características de mentiroso, além de plagiador. Para eles, a criação inteira é uma tentativa falida do demiurgo de imitar o mundo incognoscível. Assim mesmo, afirmar que a bíblia é um plágio completo, baseados em escritos anteriores da Babilônia e do Egito, principalmente.
Esta Serpente Lúcifer é o libertador do homem e do mundo, segundo a Gnose. É a sabedoria libertadora que desperta e salva o homem. Com certeza este Enviado do Deus Incognoscível, Lúcifer, é um opositor e um inimigo do criador do mundo.
Segundo os Gnósticos, o criador quer manter cativo o homem nesta esfera limitada, inferior e impura. Também proibiu ao homem contatar-se com o mundo superior, representado pelo mito bíblico pelo fruto da árvore da ciência do bem e do mal. Porém Lúcifer, o Anjo da Luz, que com grande sacrifício desceu a este inferno satânico para dar ao homens o fruto proibido da Gnose, lhes abriu os olhos para que recordem sua origem divina e a superioridade em relação ao criador. Antes da chegada da Serpente ao paraíso, afirmam os Gnósticos, o homem se encontrava em um estado de desconhecimento e de cegueira com respeito a sua verdadeira situação. Sustentam que Adão e Eva se encontravam num estado de servidão, até que a Serpente Lúcifer lhes abriu os olhos, dando-lhes a comer o fruto do conhecimento, que lhes fez recordar sua origem divina e perceber a situação em que se encontravam.
Com certeza, o criador expulsou Adão e Eva desse paraíso onde lhes havia colocado, pois ele queria que os homens refletissem a ele, que fossem a imagem e semelhança dele, que cumprissem seus preceitos para parecer-se a ele e não ao Incognoscível. Ele deseja que o Espírito permaneça adormecido para aproveitar sua energia e nada mais, impedindo que esse Espírito possa manifestar-se no homem e no mundo.
Lúcifer, libertador do homem e do mundo, foi chamado também de Abaddon, o Exterminador. Mas... Exterminador de quê? Exterminador da matéria, porque lhe incomoda este mundo de matéria e tempo. Comportar-se-ia como uma força anti-matéria hostil, de uma grande agressividade, porque odeia tudo o que é criado, como também lhe incomoda os corpos e as almas dos homens, pois pertence ao plano não-criado do incognoscível. É exterminador, porém exterminador da matéria, exterminador do impuro. Tal é a lenda Gnóstica de Lúcifer.
Agora podemos descrever que entidades não-criadas se encontram dentro deste mundo criado.
Primeiro, Deus Incognoscível, que não está neste mundo, mas pode infiltrar uma pequena partícula Dele, um Enviado. Este Enviado também é não-criado, não foi criado pelo deus criador.
Segundo, os Espíritos aprisionados dos homens, os quais pertencem também ao mundo incognoscível do não-criado e eterno. Segundo a Gnose, todo ser vivo tem encadeado a sua alma um elemento Espiritual não-criado: o Espírito. O Espírito encarcerado no homem é totalmente superior ao dos animais, plantas e outros seres vivos. É tão grande a diferença entre o homem e os demais seres vivos, como são diferentes os Espíritos que se encontram aprisionados em seu interior. Os Espíritos dos seres humanos são de uma elevadíssimo categoria Espiritual.
Terceiro, outro ente não-criado, inserido neste plano de criação, é o conhecimento salvador e divino da Gnose. Conhecimento que veio de fora, que não foi elaborado dentro desse mundo.
12. A SERPENTE DA SALVAÇÃO
Dissemos que, segundo a interpretação Gnóstica do Gênesis, o deus criador havia aprisionado Adão e Eva num mundo de miséria e os havia dotado de uma alma servil. Disse a bíblia que depois de comer o fruto proibido, Adão e Eva se esconderam, envergonhados pela falta cometida. Deus chegou ao paraíso e chamou Adão com estas palavras: “Onde estais?”. Deus parece comportar-se como um amo que chama a seu servente. Ao não encontrá-lo, parece dizer: “Onde estais? Onde se meteu? O que tem feito? O que acontece que não estais aqui trabalhando?
Este deus criador nos criou Adão e Eva, incapazes de distinguir o bem e o mau, o reino do criado e o reino do não-criado. Também os criou ignorantes de sua origem e do seu destino.
Por que os havia criado assim? Segundo a Gnose, não queria o criador que os homens conhecessem sua verdadeira origem.
Este mundo foi criado contra a vontade do Deus Incognoscível e o criado não quer que os homens saibam dessas coisas. Não quer que se dêem conta em que situação Espiritual se encontram, quem são, para que foram criados. Quer que permaneçam na ignorância. Por isso proibiu comer da fruta da árvore do conhecimento. Pois assim “se abririam seus olhos”, despertariam e se perguntariam quem são e de onde vêem, em que situação estão e o que devem fazer. Perceberiam que o Éden não é um paraíso, mas sim o contrário.
Na descrição que faz o Padre Leon Meurin em seu livro “A Franco-Maçonaria”, quando comenta as interpretações Gnósticas sobre o paraíso terrestre e a Serpente do Gênesis, se encontram estas idéias: Jehová não quer que o homem conheça sua origem e seu alto destino. Proibiu-lhe todo contato com o mundo superior. Quer que o homem reflita a ele, ao criador e não ao Deus Supremo.
Mas o homem despertou, se fez conhecedor do bem e do mal. Como fez isso? A Serpente tentadora do Éden lhe deu para comer o fruto proibido que abriu seus olhos. Segundo os Gnósticos esta serpente é Lúcifer, aquele que traz a Luz. Lúcifer significa isso: Portador de Luz. Lúcifer tomou forma de uma serpente para despertar aos homens. É um enviado do Deus Supremo, o Deus Incognoscível. É um Enviado do Deus Verdadeiro, que penetrou neste mundo de miséria, imperfeito e deficiente, para despertar e libertar o homem, para mostrar-lhe qual é sua verdadeira situação e qual pode ser seu alto destino. Por esta razão, os homens que seguem os mandamentos do deus criador vêem a serpente como algo maligno e satânico e em meio de sua grande confusão, o equiparam a satanás.
Pelo contrário, os Gnósticos vêem a Serpente Lúcifer como salvadora. Como alguém que veio para salvar os homens, como um enviado do Deus Verdadeiro. Esta Serpente iluminadora que traz a Gnose, a verdade Gnóstica que permite descobrir o autêntico e verdadeiro neste mundo de confusão, veio para libertar o homem. Lúcifer é o verdadeiro libertador do homem. Veio para libertar o homem da tirania de Yahvé, da tirania do deus criador. Têm dado aos homens o conhecimento verdadeiro capaz de libertar-nos, o conhecimento que por si só liberta, que pode ajudar o homem a sair deste mundo satânico, e regressar ao mundo de onde provém.
Esta Serpente é, para os Gnósticos, a Serpente da Salvação, a Serpente que abriu os olhos dos homens, que lhes ofereceu a maçã da emancipação, para ajudá-los a despertar, orientá-los a liberar-se deste mundo de miséria e matéria impura.
Esta Serpente é, para os Gnósticos, a Serpente da Salvação, que abriu os olhos dos homens, que lhes ofereceu a maçã da emancipação, para ajudar-nos a despertar e liberar-nos deste mundo de miséria e matéria impura.
O criador quis fazer o homem como os demais seres vivos, incapazes de distinguir entre o bem e o mal, mas pela ação da Serpente nos foi possível despertar-nos e liberar-nos. Sem dúvida, dizem os Gnósticos, este conhecimento, esta Gnose, de que a Serpente Lúcifer trouxe aos homens, produziu um grande distúrbio cósmico na criação, quão poderoso é esse conhecimento. A Gnose produz mudanças em quem a recebe, em quem a escuta, porque não é um conhecimento comum e corrente, é um conhecimento que liberta.
Existe um interessante livro cujo título é “Ateísmo no Cristianismo”, escrito por Ernst Block, que nos oferece uma boa síntese de todo este aspecto do pensamento Gnóstico, o aspecto relacionado com a Serpente libertadora como Enviada do Deus Verdadeiro.
Os Gnósticos de épocas posteriores, nas origens do cristianismo, o que se chamou de Gnósticos Cristãos ou Cristãos Gnósticos, perceberam Cristo como a Serpente do Gênesis. Isto foi assim porque Cristo, muito depois dos sucessos no paraíso terrestre, igual à Serpente, veio a trazer uma mensagem libertadora. Uma mensagem que liberta deste mundo impuro os homens. Segundo estes Gnósticos Cristãos, se tratou de um conhecimento capaz de colocar os homens em contato com outro mundo, oposto ao do demiurgo: o mundo incognoscível do Deus Verdadeiro.
13. CAÍN, O IMORTAL
Todos conhecemos o que ocorreu depois da “caída” do homem, segundo o Gênesis. Adão e Eva foram expulsos do paraíso e tiveram filhos. Primeiro Caín e logo Abel. Todos sabemos que “Deus não aceitava os sacrifícios que lhe dedicava Caín e sim aceitava os de Abel”. Então Caín, cheio de ciúmes, se lançou sobre seu irmão e o matou. Todos sabemos isso, sempre pensamos “que mau foi Caín”, “matou o irmão, que horrível”. Caín era mau e Abel era bom, essa é a interpretação que nos chega pelo judaísmo, pelo cristianismo e pelo islamismo. Inclusive Santo Agostinho, quando nos dá sua interpretação do mito de Caín e Abel, equipara Caín com os judeus e Abel com Cristo. Disse Santo Agostinho que os judeus mataram Cristo, assim como Caín matou Abel. Santo Agostinho, como a maioria, continua a tradição de que Abel era o bom e Caín era o mau.
Está muito claro na bíblia, Caín é castigado por Deus, é desterrado. Isto é visto como algo lógico e normal: Caín é mau e Abel é bom. A interpretação Gnóstica é totalmente diferente, como vamos ver agora.
Em primeiro lugar, a Gnose sustenta que Caín não foi filho de Adão, que Eva gerou seu primeiro filho, Caín, com a Serpente, com Lúcifer. A Serpente Lúcifer fecundou Eva com seu aliento, sua força de vontade. Ou seja, Caín não foi um filho totalmente humano, nascido da carne. Teve algo Espiritual muito grande, porque seu pai era Lúcifer, proveniente do mundo incognoscível do Espírito.
Ao contrário, Abel foi filho de Adão e Eva, ou seja, Abel foi um filho da carne.
Temos agora uma primeira diferença entre ambos os irmãos: Caín é superior a Abel. Caín é filho do Espírito e da carne. Abel, somente da carne. Isso, em primeiro lugar, agora temos que Caín não é alguém mau, é alguém superior, é alguém importante, muito mais que Abel.
Em segundo lugar, tanto Caín como Abel realizam sacrifícios ao deus criador para agradá-lo, ofertando-lhe coisas que agradam a ele. Caín sacrifica elementos vegetais e Abel, animais, como cordeiros. Segundo a bíblia, isto é o que mais agrada o criador: o sangue do animal morto e o odor de carne queimada do cadáver. O criador, diz a bíblia, gostava dos sacrifícios que lhe dedicava Abel e não os de Caín. Parecia que Caín não sentia muita vontade de agradar o criador, pois oferecia poucas sementes sem muita devoção, como se não estivesse realmente convencido da conveniência de realizar sacrifícios. Logicamente, os sacrifícios de Abel eram aceitos pelo criador e os de Caín não. Caín sentia repulsa aos sacrifícios dedicados ao criador, por sua origem, porque era filho de Lúcifer, porque possuía em seu interior a centelha divina do Anjo da Luz. Por isso não realizava bem os sacrifícios ao criador, repugnava-o fazê-lo, pois não pertencia a este mundo criado. Abel, em troca, que não era de natureza Espiritual e sim animal, realizava bem os sacrifícios, os que agradavam ao criador.
Uma antiga lenda nos relata o que Abel disse, certo momento, a seu irmão Caín: “Meu sacrifício, minha oferenda, foi aceita por Deus porque eu o amo; tua oferenda foi rejeitada porque o odeias.” Agora fica claro, como não odiar ao criador sendo um filho do Espírito, se sua natureza é Espiritual! Aqui fica bem claro. Todas estas lendas e mitos que rodeiam o gênesis nos dizem muitas coisas. Através delas, nos damos conta que muita informação nos tem sido tergiversada e ocultada. Também é muito interessante outras palavras que Caín disse ao seu irmão. Em uma pequena frase está resumida toda a sua oposição. Estas palavras são chaves: “Não existe lei, nem juiz!” (Targumín Palestiniano, Gen., 4:8). Caín está negando a autoridade do deus criador e que deva render-lhe culto e obediência.
Posteriormente vemos que Caín assassina seu irmão Abel. Isto é algo muito profundo porque significa que o Espírito rejeita, destrói, assassina a alma. Abel, representado como puro amor e devoção na bíblia. Segundo aos Gnósticos representa a alma do homem. Caín, pelo contrário, é o representante do Espírito, por isso sua hostilidade e seu ódio. A hostilidade e o ódio próprios do Espírito, pois o Espírito realmente se irrita com este mundo impuro, contaminado de mandamentos injustos e absurdos. Por isso a resistência de Caín a realizar sacrifícios, por isso sua desobediência às ordens do criador. Caín e Abel são tão opostos e irreconhecíveis como são o Espírito e a alma.
A alma é amor puro, não Amor Verdadeiro, mas o que conhecemos como amor, o que cremos que é o amor, o que nos dizem que é o amor, na realidade é Ódio. O Espírito é o contrário, é percebido como ódio puro, hostilidade e vingança. Ao ter sido encadeado a esta criação satânica somente pode sentir hostilidade e ódio, do modo como percebem os homens ordinários. O Espírito, que é Amor Verdadeiro, somente pode sentir aversão e nojo ante esta asquerosidade. Por isso deseja destruí-la, porque para Ele a criação é uma monstruosidade deformada que não deveria ter existido nunca. Isto é o que simboliza o assassinato de Abel por seu irmão Caín.
Caín, com todos seus atos, se emancipou totalmente do criador e de seu próprio corpo e alma. Através de seus atos contra o deus criador e contra seu meio-irmão Abel, se emancipou de uma vez e para sempre do deus inferior e de sua criação impura e defeituosa. Com seus atos se transformou em um opositor, em um inimigo eterno do demiurgo e de sua obra.
Todo este episódio de Caín e Abel, tal como está no Gênesis bíblico e em lendas como as do midrash judeu, entre outras, tem sido interpretadas pelos Gnósticos de uma maneira totalmente oposta a atualmente aceita.
Depois de cometer seu Ato Supremo, diz a bíblia que Caín foi amaldiçoado por deus e expulso desse lugar. “Amaldiçoado e expulso”, o mesmo destino da Serpente do paraíso. É lógico que assim aconteceria, porque Caín havia se convertido em um opositor absoluto do deus criador, mas ocorreram outras coisas muito interessantes que vamos destacar aqui.
Em primeiro lugar, vemos que Caín foi amaldiçoado e exilado pelo deus criador. Isso, que pudera parecer castigo, para um Gnóstico é o contrário. Ser amaldiçoado e exilado pelo criador é uma honra para um Gnóstico. É a reação lógica do demiurgo frente a quem o tem desafiado e esbofeteado, frente a quem se fez igual ou superior a ele. Caín foi exilado porque se transformou totalmente, se exilou com êxito por si mesmo e já não pertence a este mundo, ainda que continue habitando-o. A bíblia diz que o criador o exilou, porém Caín é um emancipado, um libertado em vida, que com seus atos maldisse o criador e se auto-exilou desta criação abominável.
Em segundo lugar, contam algumas lendas judias que o criador castigou para sempre Caín com a falta do sono, condenando-o a não poder dormir, à vigília permanente. Para um Gnóstico isso não é um castigo, mas sim um triunfo. Estar sempre desperto é uma vantagem, uma virtude, um ganho importante. Caín se auto-despertou, desobedecendo aos preceitos do criador e “assassinando” sua alma.
Em terceiro lugar, a bíblia diz que o criador protegeu Caín, não permitindo que nada lhe fizesse dano ou o matasse. Este é outro ponto muito interessante. Dizem os Gnósticos que o homem que se tem transformado em puro Espírito, ainda que siga habitando o corpo físico, é um imortal, um intocável. Nada nem ninguém pode causar-lhe dano, nada pode atacá-lo, já não tem medo, pois está acima de tudo e já não morre mais, ainda que não seja mais um ser vivente como os outros. Está neste mundo porém fora dele. Está fora da matéria e fora do tempo, já não faz parte da criação. É um exilado deste mundo por vontade própria. O deus criador não pode causar-lhe dano, porque Caín se tornou superior a ele.
Em quarto lugar, a bíblia diz que o criador pôs uma marca em Caín, um signo para que todos o reconhecessem e não lhe fizessem dano. Antigas lendas judias dizem que esse signo era um chifre na testa. Um chifre na testa significa poder, o poder proveniente do Espírito, o poder que o distingue dos demais homens. Essa “dureza” na testa significa que o Espírito foi liberado e tomou posse do corpo, solidificando-o, Espiritualizando-o. Ninguém pôs uma marca em Caín. Caín conseguiu por si mesmo. Quando isto ocorre, a humanidade e toda a criação sentem. Todo Espírito liberto de sua prisão da matéria terá essa marca por toda a eternidade. Nunca será o Espírito que era antes do encadeamento da matéria. Essa marca é o corpo transformado, duro como diamante, a quem o Espírito transformou em imortal e eterno. Este será sua eterna lembrança, a prova de seu passo pelo inferno e seu triunfo sobre ele.
Podemos encontrar distintas sínteses sobre a explicação Gnóstica do mito de Caín, no livro que temos citado do Monseñor Meurin sobre a maçonaria. Também em Lê dieu rouge, de Robert Ambelain e em Atheism in Christianity, de Ernst Bloch. Assim mesmo, no livro Los mitos hebreos, de Graves e Patai, existem dados interessantes. Também existe uma interpretação Gnóstica muito profunda sobre esse mito, em uma estranha novela que se tem divulgado na internet, intitulado “O Mistério de Belicena Villca”.
14. OS PLANOS DO DEUS CRIADOR
Segundo os Gnósticos, o deus criador tem muitos planos, que unidos constituem seu Grande Plano: para isso, criou o universo e o homem. Para alcançar seus objetivos, está levando adiante um experimento evolucionário no qual participam o corpo, a alma e o Espírito do homem. Vai ensaiando, vai provando e se obtêm êxito estende o modelo a todo seu universo criado, caso contrário, anula este projeto e começa tudo de novo, como tantas vezes fez, para voltar a ensaiar outra coisa. E nunca conseguirá uma cópia perfeita do que imagina ser o Mundo Incognoscível, o que trata em vão imitar.
Sem dúvida, neste último experimento, obteve um ganho, ainda que imperfeito, que tem sua particular importância. Depois de milhões de anos, deu um passo notável na evolução de sua obra máxima: o homem. Depois de milhões de anos de estancamento evolutivo em que o hominídeo humano viveu como animal, nos últimos 30 mil anos, avançou mais que em toda sua história. Os Gnósticos responsabilizam esta mutação ou “criação”, este grande salto evolutivo, à utilização dos Espíritos de grande pureza, provenientes do mundo não-criado.
O deus criador modelou um corpo de barro e com seu sopro o dotou de um elemento anímico, a alma. A essa alma, a essa sopro do criador, foi preso um Espírito, o qual foi enganado e traído e assim encarcerado contra sua vontade, nesse engendro satânico de barro e aliento: o corpo e a alma do homem. É a energia divina do Espírito preso que impulsionou e impulsiona a evolução do animal-homem!
E, para que quer o criador que este ser evolua? Para se transformar paulatinamente nele. Para isso elaborou seus mandamentos. Ele quer que o homem se transforme nele, que se faça igual a ele, o criador. O corpo e a alma estariam muito felizes se isso acontecesse, porque, segundo o destino, são partes dele, mas não acontece assim com o Espírito. O Espírito tem outra origem. Enquanto o Espírito estiver encadeado está tudo bem, vai impulsionando a evolução. Mas, se um só Espírito se liberta, perturba-se todo o plano. Por isso é tão necessário que a tirania do demiurgo seja absoluta, que todo conhecimento que possa despertar o homem, fazendo-o recordar quem realmente é, seja proibido. Porque seria um conhecimento perigoso, tão perigoso que poderia fazer com que o plano do deus criador entrasse em turbulência momentânea. Segundo a Gnose, um só Espírito, não necessariamente muitos, um só Espírito que possa libertar-se, subtrairia a força de todo este sistema e ainda subtrairia a energia que o deus criador utiliza para seguir adiante com seus planos. Esse Espírito seria um salvador, um salvador do mundo e um salvador dos demais Espíritos. Propiciaria a liberação não somente dos demais homens, mas também de todo o universo, das incontáveis miríades de chispas divinas provenientes do mundo não-criado e eterno, que se encontram aprisionados aqui, nesta grande máquina cega, para fazê-la funcionar e evoluir.
Este sistema criado pelo demiurgo, não pode funcionar se não possuir estas partículas do mundo Espiritual escravizadas, aprisionadas aqui. Dizem os Gnósticos que se de todas essas partículas Espirituais, as que estão aprisionadas no ser humano são as mais importantes em categoria e em pureza Espiritual, o demiurgo criou e armou todo isto e o impulsiona a evoluir.
Para que evolua até ele, com o ser humano a frente de tal processo. Se o experimento com o homem fracassar, utilizaria outra de suas criaturas e voltaria a tentá-lo novamente.
Dizemos que o demiurgo deseja que os homens evoluam até transformarem-se nele, até serem iguais a ele. Para que cada alma, aliento dele, e cada corpo de barro possa regressar a ele, transformando-se nele. Este é o objetivo final que o demiurgo tem reservado para o homem.
Para tudo isso, lhe é fundamental que o Espírito “contribua” com sua energia, sem poder libertar-se jamais. Para tudo isso, o demiurgo necessita que os homens permaneçam semi-dormidos e confusos. Para que sigam aproximando-se às cegas a Ele, até o criador, que com enganos e castigos os atrai para si. Para que todo este esquema funcione, é necessário que os homens continuem crendo que o criador é o único deus que existe e que é um deus bom.
Afirmam os Gnósticos que se um homem chega a esse ponto evolutivo em que se funde com seu criador, nesse mesmo instante seu Espírito perde toda possibilidade de libertar-se enquanto durar o universo.
15. MORTE E REENCARNAÇÃO
Em todo este processo evolutivo que o deus criador idealizou e está impulsionando, tem muita importância a morte e a reencarnação dos seres humanos. Quando um ser humano morre, morto já o corpo físico, a alma é separada do corpo levando consigo o Espírito encadeado, pois o Espírito está encadeado á alma e não ao corpo. Está unido ao corpo através da alma.
Depois da morte física, a alma se retira levando consigo este Espírito. Leva esse Espírito a outros planos e ali continua sendo castigada. Para os Gnósticos, este mundo é o inferno, está cheio de castigos e sofrimentos, desde o nascimento até a morte. Porém, depois da morte o sofrimento continua e pode inclusive ser mais intenso do que quando “em vida”. É castigada a alma por todas as condutas que teve aqui na Terra enquanto estava no corpo físico. O sofrimento continua. A alma é golpeada, castigada, “limpa” dizem alguns, até que é transladada a um novo corpo para continuar o sofrimento. Nada se salva do inferno, nem sequer com a morte. Quando a alma se separa do corpo físico, segue sofrendo, às vezes mais do que antes. Continuam os espancamentos e castigos.
E assim, através das sucessivas mortes e reencarnações, vai se modelando a conduta do ser humano. Engana-se os homens dizendo-lhes que estes castigos são para seu bem, que desta maneira os homens vão “melhorando”, “evoluindo”, “vão ficando melhores”, “mais puros”, “mais santos”, “mais parecidos com seu criador”. A seu satanás criador.
Perguntem a esse satanás criador, a quem chamam “Juiz Justo” e “Deus de Amor”, por que morrem as crianças. Perguntem também por que foi inventado tantos vírus e enfermidades. Nada responderá, porque além de injusto é surdo e cego. Os Gnósticos afirmam que o criador se alimenta das emanações produzidas pela dor e dos prantos dos homens.
Com os castigos, o demiurgo pretende que os homens se “aperfeiçoem” paulatinamente. “Aperfeiçoar-se” significa parecer-se cada vez mais com o demiurgo, o criador. Os castigos cessarão quando o homem se render ante o criador e aceitar ser como ele, renunciando a seu Espírito.
Isto é o que acontece também quando um homem ou uma comunidade de homens decide fazer uma “aliança” ou pacto de sangue com o demiurgo, a fim de que seus sofrimentos diminuam um pouco. Nestes casos, o homem ou grupo de homens envolvidos no pacto, se comprometem a renunciar ao Espírito em troca de poder e riquezas materiais. Esses homens renunciam a Tudo, em troca de muito pouco. Devem estar muito loucos ou muito desesperados para fazer um pacto de alianças com o demiurgo diabólico. Estarão firmando sua sentença de morte Espiritual e serão desintegrados quando todo o criado desaparecer.
O que devemos fazer para parecer-nos ao criador? Isso está escrito em todos os “Livros Sagrados”, inspirados por ele. Ali está tudo o que devem fazer: “adorar ao criador”, “amar ao próximo”, “não comer tal coisa”, “oferecer a outra face”, etc., etc. Ainda que algum preceito careça de sentido, isso não importa, conquanto que os obedeçamos, isso é o suficiente.
Está bem claro que o que o homem deve fazer para agradar ao criador. O que ocorre é que se trata de coisas difíceis de realizar, pois cada homem tem um Espírito preso em seu interior, que está gritando-lhe que se oponha ao demiurgo e não o obedeça. Com certeza alguns homens escutam a voz de seu Espírito mais que outros.
Para isso existem os castigos. Para isso existem as mortes e reencarnações sucessivas. Alguns homens necessitam ser mais castigados que outros para serem vencidos.
Através dos sofrimentos, chega o momento em que o homem se entrega, se rende, aceita ser como o criador da matéria. O faz para que cessem as torturas, não por outra coisa. Mas ao renderem-se deverão renunciar a seu Espírito. Deverão anular seu Espírito para demonstrar ao criador que seu convencimento é absoluto, que sua conversão não é fingida. Ao fazê-lo, seu Eu Espiritual fica absolutamente anulado, é a morte Espiritual. Já não escutará mais a voz interior que lhe gritava para que se opusesse, que nunca se rendesse, que lutasse para sempre até ser livre e que ele apenas ouvia. Triunfa assim a alma, triunfa assim o demiurgo. Este homem se converteu em “um santo”, em “um exemplo digno de ser imitado”. Para o criador é motivo de grande júbilo e alegria quando já não existe nada no homem que possa ser reflexo do Espírito. Produz-se nesse homem um vazio que é preenchido por deus. Esse homem se transformou em “um representante de deus na Terra”, em um “Deus vivente”, igual ao seu criador. Esse é um dos aspectos mais importantes do “Grande Plano” do deus criador. Para isso criou a matéria e o tempo, para isso criou todo o universo, para isso criou o homem, para isso aprisionou Espíritos Eternos.
Quando o homem se fusiona com deus, ou se “encontra em Deus”, como dizem as religiões, esse Espírito conclui sua função ali. Porém, longe de ser libertado, será amarrado novamente pelo demiurgo á alma de outro homem que se encontre em um nível evolutivo inferior, a fim de continuar utilizando-o nesse objetivo da criação: a fusão do homem com seu criador.
Os Espíritos somente serão libertos quando o criador decidir dar por encerrada sua criação, possivelmente dentro de milhares de milhões de anos. Talvez algum Espírito possa libertar-se antes, por seus próprios meios, porém isso é muito difícil. O demiurgo, sabendo que a fuga de um só de seus prisioneiros seria catastrófica para ele e para sua criação, tomou muitas precauções para que isso não aconteça.
Antes de tudo, para que este projeto funcione é necessário que os homens permaneçam dormidos. É necessário que nenhum Eu Espiritual possa manifestar-se e dizer “não concordo”, “este não é meu mundo”, “esta não é minha vida”, “este não é meu destino”, “este mundo é o inferno”.
Temos dito que do sofrimento nada se salva. Nem ainda suicidando-nos é possível escapar dos castigos com que o satanás criador infringe a suas criaturas. Corpos e almas pertencem ao criador durante toda sua vida e depois de sua morte também. A única solução está na libertação do Espírito. Esta é a tarefa mais difícil e importante que pode ser feita por um homem mediamente o despertar.
Dizíamos que o criador necessita que os homens permaneçam dormidos para concretizar seus planos. Para tanto, qualquer homem ou livro que procure despertar e libertar os Espíritos, deverá ser eliminado. Por isso todo este saber, esta Gnose, tem sido perseguida e calada.
O demiurgo necessita que os homens não despertem para conduzi-los como sonâmbulos, através de sucessivas reencarnações, a este ponto culminante da evolução em que, cansados de tanto sofrimento, aceitem renunciar a seu Eu Divino, a seu Espírito Eterno, para dissolverem-se em seu criador.
16. MANVANTARAS E PRALAYAS
À pergunta “se a criação é eterna ou vai desaparecer algum dia”, a Gnose tem uma resposta: tudo o que foi criado desaparecerá. O demiurgo cria universos e logo depois os destrói. Os rabinos dizem: “O Senhor, bendito seja, cria mundos e os destrói.” Nos ensinamentos de Shankara encontramos: “Como as bolhas de água, assim os mundos nascem, existem e se dissolvem no Senhor Supremo.”, (Atmabodha, 8). A isto os hinduístas chamam de “respirações de Brahma.” Brahma é o deus criador dos hindus. É outro dos nomes do demiurgo.
Com cada Big Bang começa uma nova criação do deus criador. É a expiração, seu aliento exalado para fora. Esta criação se expande até que ele decida colocar um fim, retraindo-a até um ponto inicial, reabsorvendo-a. Esta é a inspiração, a absorção de seu aliento (literalmente, hálito). Quando a criação chega a seu fim e é destruída, colocada a involuir, e o tempo começa a correr para trás até desaparecer, há um longo período em que o demiurgo não cria nada. Na Índia chamam esse período de “a noite de Brahma.” A cada período de criação, segue-se um período de silêncio cósmico, no qual todo o criado é levado para trás, contraindo-se até desaparecer. Depois que tudo é destruído, reduzido a nada, com outro Big Bang começará uma nova criação e assim indefinidamente.
A cada tentativa do demiurgo, seguir-se-á outra, perseguindo constantemente uma perfeição que nunca chegará.
Na Índia chamam manvantaras aos ciclos de criação e pralayas aos de destruição.
Existe uma canção que é muito comum em Israel e que chama “Adon Olam” (“Senhor do Mundo”), a qual tem um parágrafo que os faz pensar sobre esse descanso do criador quando destrói sua obra. Dizem assim os versos: “... e quando tudo deixe de existir, ele só reinará em sua majestade.” Se refere ao período de silêncio do criador, quando já não sobre nada de criado.
Quando toda a criação se derruba, o não-criado segue existindo como sempre porque é eterno, não tem princípio nem fim. Pertence ao plano incognoscível da eternidade. Somente o criado desaparece no pralaya. Somente o criado pode ser destruído.
Quando o demiurgo decidir destruir tudo o que foi criado, ou seja, quando concluir um manvantara, só ali são liberados os Espíritos não-criados que estão permanecendo aprisionados na matéria. Toda matéria, todo corpo, toda alma serão destruídos. Só o não-criado não será alcançado por essa destruição, retornando ao mundo incognoscível de onde provém.
Os Gnósticos não querem esperar milhares de milhões de anos. Os Gnósticos querem libertar-se agora, o quanto antes. E não somente libertar-se. Pretendem terminar com esse sistema satânico, com as respirações do demiurgo, com seus planos demenciais, com o tormento dos Espíritos prisioneiros, com as criações e destruições sucessivas, as mortes e reencarnações, com todo o criado, com todo o impuro e com e demiurgo também!
17. A GRANDE CONSPIRAÇÃO
Em todas as épocas, as instituições religiosas e políticas do demiurgo na Terra conspiraram deliberadamente para eliminar, ou ao menos diminuir, a visão Gnóstica onde ela aparecesse. Proíbe-se ou deforma todo o pensamento por trás do qual possa haver algum vestígio da Gnose Primordial. Quão perigoso é o conhecimento Gnóstico para os planos do demiurgo. O ocultamento da Verdade forma parte do plano orquestrado para que os homens não possam despertar e muito menos rebelarem-se. Trata-se para que os seres humanos permaneçam confusos, enganados e adormecidos, para que nunca cheguem a imaginar quem são realmente e em que situação se encontram. Trabalha-se para que nunca conheçam a verdade do que ocorreu, nem em que consiste seu presente, nem qual será seu futuro. Pretende-se que nenhum homem possa jamais conhecer as respostas corretas às três perguntas fundamentais: Quem sou eu? Por que estou aqui? O que devo fazer?
Mas a Verdade nunca desaparece. Perseguida e ocultada, sempre lutará para sair à luz. O pior que pode ser feito com a Verdade é proibi-la. Produzir-se-á o efeito contrário: surgirá com maior força e violência. O que é a primeira coisa que deveriam ocultar?
Em primeiro lugar, seria necessário eliminar a idéia de que mais além do demiurgo ineficiente, existe outro Deus, superior a ele e infinitamente perfeito.
Para poder escurecer esta parte da Verdade Gnóstica se tem inventado a idéia de que o deus criador e o Deus Incognoscível são a mesma coisa, que juntos formam o único deus existente: o demiurgo, criador do céu e da terra.
No começo do cristianismo, o grande mestre Gnóstico Marción deixou bem claro: “o deus do antigo testamento não é o Deus do novo testamento. São deuses diferentes. O primeiro é um deus que aplica a lei e castiga, enquanto o outro é um Deus de amor que sempre perdoa. Ambos são inconciliáveis.”
O se pode fazer para ocultar esta informação? Foi Orígenes que teve a “brilhante” idéia: “Não existem dois deuses diferentes, um justo e outro bom. É o mesmo Deus, que é justo e é bom.” Esta foi a maneira que o demiurgo encontrou para ser bom e perfeito.
Em segundo lugar, foi eliminado também, desta forma, a diferença entre o mundo incognoscível e o mundo criado. Tudo aquilo que se refira à existência de dois reinos irreconciliáveis, será taxado depreciativamente de “dualista”, como se descrever a realidade desta maneira fosse algo mau. Os conspiradores reduziram tudo a um só reino: o reino do demiurgo.
Em terceiro lugar, se o demiurgo é bom e perfeito, em quem podemos colocar a culpa de todo mal que existe hoje no mundo? Se os atributos do Deus Incognoscível foram transladados ao demiurgo, o que fazer com os atributos demiúrgicos de maldade e incompetência, de plágio e de mentira?
Por isso se recorreu à invenção de que o demiurgo não é satanás, satanás é outro. O demiurgo tornou-se bom e perfeito, foi despojado de sua roupagem satânica. Todo mal provém agora desse novo satanás que é exterior a ele, ao demiurgo. O mal do demiurgo foi transferido para fora, a um satanás diferente do criador. Agora este novo satanás é que gosta de sangue, do odor da carne queimada, dos escravos, das guerras, dos rituais, dos sacrifícios, das conspirações e dos genocídios. Agora é este novo satanás que se agrada com os homens , que se postem ante ele, que o adorem e que façam alianças ou pactos de sangue com ele, em troca de poderes ou riquezas materiais. É fácil descobrir que todas essas características que satanás tem hoje, têm sido tomadas do deus criador da bíblia.
Assim, teremos isto: Deus Incognoscível não existe, seus atributos foram transladados ao demiurgo, e os atributos do demiurgo foram transladados a um satanás exterior a ele. O que falta agora nesta grande conspiração, nesta grande trapaça? Falta encontrar alguém a quem possamos transformar nesse satanás. Deve ser alguém a quem tenhamos muito ódio, pois a figura do satanás é o mais indigno que possa conceber-se.
Em quarto lugar, assim surgiu a ocorrência ponto alto desta conspiração: alguém vislumbrou que o mais apropriado seria divulgar que esse satanás maligno não é outro que Lúcifer. Desta maneira, não só o demiurgo foi “limpo” de sua natureza satânica, como foi distorcida a figura de Lúcifer. O Anjo da Luz, enviado pelo Deus Incognoscível para salvar os homens, veio a transformar-se em um monstro cuja função é a de manter os homens escravizados. Esta genial idéia foi dos representantes do demiurgo na terra e demonstra um vingança contra Lúcifer, o inimigo eterno do satanás verdadeiro.
De duas entidades opostas e irreconciliáveis, o deus criador e o Deus Incognoscível, foi feita uma só: o demiurgo “bom e único”. De dois mundo opostos e irreconciliáveis foi feito um só, que é “bom”: o do demiurgo. Da mesma forma procederam com outras entidades opostas e irreconciliáveis: Lúcifer e satanás, o Enviado do Deus Verdadeiro e o satanás criador da matéria e do tempo. Os transformaram numa só entidade: o “Lúcifer satânico”. Assim conspiram contra a verdade os charlatães do demiurgo.
Até o dia de hoje, persiste esta crença de que satanás e Lúcifer são uma e a mesma coisa, a quem também chamam de diabo. No Novo Testamento já se encontra estabelecido que Lúcifer é igual a satã (Lucas, X-18) (Coríntios, XI-14). Inclusive Monseñor Meurin, na sua obra que temos citado, incorre nesta mesma confusão: denomina o demiurgo “Jehová-Lúcifer” e não “Jehová-Satanás”, achando estar correto em sua linha de raciocínio. E se Meurin, um teólogo tão renomado dentro do catolicismo romano cometeu este erro, o que podemos esperar do homem comum?
Em quinto lugar, como se pode desvirtuar a idéia Gnóstica de que este mundo criado é o inferno e que o céu é o plano do Deus Incognoscível? Os conspiradores elucubraram o seguinte: afirmaram que este mundo não é o inferno, o inferno está fora, longe daqui. O inferno seria um lugar de castigos para quem desobedeça o demiurgo, durante sua vida aqui na Terra. E que características teria o inferno? A alguém ocorreu que as características próprias do mundo incognoscível poderiam servir muito bem como cenário para este novo inferno. Se Lúcifer, o Portador da Luz, um ser de fogo a quem se representa envolto de chamas, é satanás, então podemos dizer que este inferno seria um lugar cheio de fogo. Um lugar onde são queimados os “pecadores”. Segundo os Gnósticos, o reino incognoscível é efetivamente um fogo anti-matéria que incomoda esta criação impura e se pudesse a aniquilaria, mas para eles esse fogo é algo bom e desejável, nada satânico.
Em sexto lugar, o Espírito foi outra das coisas que consideraram importante eliminar, ao menos deformá-lo até torná-lo irreconhecível. Os representantes do demiurgo na Terra não podiam permitir que, depois de todas as adulterações, persistisse a crença de que existe algo não-criado e divino dentro do homem. Tinham que eliminar o Espírito também.
Já vimos também que para os Gnósticos o homem está composto de três partes: corpo, alma e Espírito. O corpo e alma foram criados pelo demiurgo, enquanto que o Espírito foi capturado do plano do não-criado e eterno e não pertence a esfera de criação. A alma e o Espírito, as entidades não visíveis para o olho humano comum, são perfeitamente opostas e irreconciliáveis. A alma foi criada pelo demiurgo, é o que anima o corpo, o que anima, o anímico. A alma somente anseia unir-se a seu criador, fundir-se com ele. O Espírito, pelo contrário, é um prisioneiro neste mundo estranho, que não lhe pertence e que para Ele é um inferno. Ele deseja somente libertar-se e voltar ao mundo incognoscível de onde provém. Para o Espírito, o corpo e a alma são tão horríveis como a matéria e o tempo.
Para o demiurgo e sua criação, é necessário e fundamental que o Espírito permaneça amarrado a alma do homem. Seu projeto evolutivo não pode abrir mão dos Espíritos encadeados na matéria. Mas uma coisa é importante: o demiurgo deseja que isto permaneça em segredo, que os homens jamais possam perceber que possuem em seu interior uma chispa não-criada roubada de outro mundo.
Então, para eliminar a idéia Gnóstica de Espírito, os agentes do demiurgo na Terra tiveram a engenhosa idéia: de duas entidades, opostas e irreconhecíveis, haveria somente uma. Do Espírito tomariam todas suas características divinas de perfeição e pureza. Somente omitiriam seu aspecto não-criado, pois se os homens descobrirem que tem algo não-criado em seu interior, começariam a fazer perguntas, e isso “não é bom”. Todas as virtudes do Espírito seriam transladadas a alma, que assim, de satânica passaria a ser perfeita. Já não voltaria a falar mais de Espírito não-criado. Agora ficaria apenas uma entidade no corpo humano: “a alma divina e perfeita criada por Deus”.
Dissemos que, no começo do cristianismo, os primeiros teólogos cristãos, Santo Agostinho, entre outros, se referiam sempre ao corpo, alma e Espírito do homem. Mas com o passar dos anos isto foi desaparecendo. O Espírito foi se “transformando”, primeiro em “intelecto”, logo em sinônimo de alma, até que um belo dia se decidiu eliminar por completo o Espírito como parte constituinte do ser humano, restando somente corpo e alma. A conspiração teve êxito: conseguiu que os homens se esquecessem do Espírito.
E não somente no cristianismo, mas em todas as religiões do demiurgo se fala exclusivamente de corpo e alma como os únicos constituintes do homem.
Não somente se conseguiu eliminar quase que totalmente a idéia de algo não-criado dentro do homem, mas também obtiveram o mesmo êxito parcial com a idéia de que existe um prisioneiro injustamente encarcerado nele. É melhor que ninguém saiba por que foi aprisionado o Espírito, pois os homens começariam a perguntar-se coisas e até alguns poderiam despertar. É melhor que continuem com sua cegueira, falando de temas menos perigosos como o futebol ou o sexo.
Em sétimo lugar, para distorcer a afirmação Gnóstica de que esta criação é imperfeita devido ao fato de que seu criador é um ser imperfeito, os conspiradores deveriam aguçar ainda mais seu gênio satânico. A imperfeição de todas as coisas deste mundo é algo tão evidente e palpável que é impossível negar. Por mais idiotizados que estejam os homens, jamais admitiriam que este mundo é um paraíso.
O que fazer então? Como justificar que “um demiurgo perfeito” criou semelhante monstrengo? Além do que, os Gnósticos opunham a criação errônea, realizada por um demiurgo plagiador e ineficiente, ao reino não-criado e eterno de Deus Verdadeiro. Como fazer para eliminar estas perigosas idéias? Ocorreu-lhes uma solução que aboliria a idéia de mundo não-criado e imperfeito, ao passo que derrubariam as suspeitas de que um demiurgo inexperiente,como criador do mundo. Esta solução seria útil também para justificar o inocultável: a impureza e imperfeição do mundo criado. Que engano pregaram desta vez? Veremos logo.
Todos os atributos que caracterizam o reino de Deus Incognoscível foram transladados a criação do demiurgo, não a esta criação, mas a outra anterior. Uma suposta criação do demiurgo que era, essa sim, perfeita e pura. Ou seja, o demiurgo, dito perfeito, foi capaz de criar um mundo perfeito e puro. Até aqui, notamos que já não há lugar para o Deus Incognoscível e seu reino, uma vez que o demiurgo, dito agora perfeito, realiza obras perfeitas. Mas, o que ocorreu para que toda essa criação perfeita tenha se convertido em algo tão imperfeito como é agora? Aqui está a genialidade dos apóstolos do engano: a criação se transformou em impura e imperfeita por culpa do homem. O criador, um ser perfeito, fez o mundo perfeito, mas o homem o arruinou. O paraíso era perfeito, mas o homem e a Serpente Lúcifer destruíram essa perfeição, “caindo” com ela.
Temos então um criador perfeito e bom que realizou uma obra boa e perfeita. Toda sua criação, a matéria, o tempo, o homem, eram bons. O paraíso era um lugar perfeito e o homem vivia feliz ali. Tudo isso caiu e se degradou por culpa da desobediência do homem. Afirmar que o homem tem a culpa do “pecado original” e da “caída”, tem sido uma das mais vis idéias concebidas contra o Espírito e contra o Deus Verdadeiro. Responsabilizou-se o homem pela incompetência do criador e pelas deficiências de sua obra!
Já vimos que no paraíso o homem não era mais que um servo ignorante. Ignorava tudo acerca de si mesmo e de seu criador, como parece ignorar todavia. Não sabia que existia outro Deus, imensamente superior ao deus criador. Não sabia que mais além de seu corpo e de sua alma, tinha aprisionado um Espírito. Não sabia até que despertou e pode rebelar-se.
Para a Gnose, o único “pecado original” que existiu foi cometido pelo demiurgo ao encadear Espíritos Eternos à alma perecível do homem. Para a Gnose, a única “caída” que existiu, propiciada pelo demiurgo, foi a caída dos Espíritos no mundo infernal da matéria.
Passamos os sete principais ocultamentos e desvirtuações, realizada contra a Gnose pelos serventes do demiurgo na Terra. Agora veremos os meios de que se valem estes conspiradores para impor melhor suas falsificações.
O objetivo é varrer com todo conhecimento que se refira ao não-criado, ao despertar do homem, a libertação dos Espíritos e a rebelião contra o demiurgo. Esse conhecimento não-criado é a Gnose, absolutamente perigosa para a Ditadura Universal Satânica. Pretende-se eliminar o saber Gnóstico porque é a máxima ameaça contra o demiurgo e sua obra.
Sua estratégia é a seguinte: deve ser destruído tudo o que se oponha ao sistema criado pelo demiurgo, e o que não possa ser eliminado deve ser distorcido e corrompido até torná-lo irreconhecível.
Stalin, agente demiúrgico, dizia: “se não podes estrangular teu inimigo, abraça-o”. assim operam contra a Gnose os agentes corretores do demiurgo. Se não se pode proibir algo, o abraça, rodeia-o pra asfixiá-lo, transformando-o em algo inofensivo. E não somente inofensivo, o conhecimento assim neutralizado e transformado muitas vezes é posto para trabalhar a serviço do demiurgo mesmo. É o caso das religiões que em seus inícios foram revolucionárias e opostas ao demiurgo, as quais logo foram infiltradas, deformadas e postas ao serviço do demiurgo, convertendo cada uma delas em uma religião demiúrgica a mais. É o caso, por exemplo, do cristianismo, budismo e tantrismo, dentre outras. Foram convertidas em religiões perfeitamente opostas ao que foram em seus começos.
Trata-se de que nenhum conhecimento possa cair fora do controle ditatorial do demiurgo. Procura-se que nenhum elemento proveniente do mundo não-criado possa por em perigo a obra e os planos do demiurgo.
Algo que continua acontecendo é queimar livros perigosos. Com certeza que isto é realizado em segredo. Os tempos mudaram e nas ditaduras “democráticas” modernas a destruição de livros é levada a cabo subliminarmente.
Já não se queimam em público, agora os livros são comprados individualmente e entregues a algum agente ou autoridade religiosa que procederá sua destruição. Quando é possível, se compram edições inteiras com esse fim, e o mesmo fazem com os direitos do autor. Existem outros métodos, mas somente descrevo os que pude comprovar diretamente. Possuo uma ampla lista de livros e autores que caíram nessa sorte, os quais não figuram entre as listas “oficiais” de livros perseguidos ou desaparecidos.
Também acontece de se perseguir ou castigar os autores desses livros. É muito comum que sejam ameaçados, cercados ou perseguidos de diversas formas. São freqüentes os roubos de manuscritos (conheço vários casos destes), sabotagens durante a impressão, etc. Por escrever livros opostos ao sistema demiúrgico, muitos autores tem sido desprestigiados, encarcerados ou levados a manicômios, e não somente em países comunistas, pois nas ditaduras “democráticas” acontece o mesmo.
Muitos autores recalcitrantes morreram misteriosamente, de enfermidades ou acidentes estranhos, nunca exaustivamente investigados. Atualmente, os esquadrões de extermínio do demiurgo, dispõe de meios imensamente eficazes para disfarçar seus homicídios. Tal tem sido geralmente o destino dos grandes rebeldes e opositores ao demiurgo e sua obra. Nesse mundo criado, o demiurgo e seus agentes tem todas as vantagens para ganhar, pois este é seu reino: o reino do demiurgo. Este reino é, para o Gnóstico, todo o contrário: é o campo inimigo onde ele deve atuar, lutar. Todo, absolutamente todo o criado estará contra ele. A guerra do Gnóstico, portanto, deverá ser da mesma maneira: total.
Tomemos o caso de Maniqueu, um grande mestre Gnóstico fundador da religião maniqueísta, a que Santo Agostinho pertenceu durante nove anos. Maniqueu existiu realmente, não se trata de um personagem fictício de mais uma religião demiúrgica .
Temendo que seus ensinamentos fossem distorcidos, Maniqueu escreveu várias obras, as quais foram perseguidas e destruídas ou ocultadas durante séculos. Quando se acreditava que tais obras estavam perdidas para sempre, foi encontrada toda uma biblioteca maniquéia na China, no século XX. Isso foi um milagre como em Nag Hammadi. Estiveram ocultas quase quinhentos anos.
Maniqueu, que jamais renunciou sua pregação, foi perseguido, encarcerado e torturado até a morte por sacerdotes do demiurgo na antiga Persa. Uma versão diz que Maniqueu foi escalpelado vivo. Arrancaram-lhe a pele e a encheram com palha para ser exibida nas portas da cidade, como advertência aos inimigos do deus criador. Outra versão sustenta que Maniqueu foi escalpelado depois de morto. Fortemente imobilizado por correntes, viveu vinte e seis dias de intensos sofrimentos e morreu. Por isto se fala de “crucificação de Maniqueu”. Assim como o demiurgo encadeia os Espíritos, assim os serventes do demiurgo encadearam Maniqueu. Mas Maniqueu não era um homem comum. Maniqueu foi um liberto em vida. A tortura e morte não podem afetar a quem tem realizado seu Espírito, ao contrário, lhes produzem risadas.
Tomemos outro caso entre muitos, o de Zenão de Eléa. Encarcerado e amarrado, durante as torturas a que era submetido, Zenão disse ao torturador: “Aproxima-te e te direi ao pé do ouvido o que queres saber.” Quando o torturador se aproximou, Zenão lhe arrancou a orelha com os dentes. O torturador, enlouquecido, disse que lhe aplicaria torturas mais fortes ainda até obrigá-lo a renunciar suas concepções. A resposta de Zenão foi a seguinte: cortou sua língua com os dentes e a jogou aos pés do torturador.
Como pode chegar-se a crer que para um homem como Zenão, realizado em seu Espírito, poderia importar-lhe o que sucederia a seu corpo e a sua alma! Esse torturador, para Zenão, só pode ter sido um pobre palhaço. A tortura e a morte antes de retratar-se: assim são os Guerreiros de Espírito.
Na gigantesca ditadura do demiurgo e seus seguidores, há outro tipo de ameaça: os castigos oferecidos pelo próprio demiurgo. Os livros sagrados das religiões de demiurgo estão cheios destas advertências: o castigo de Adão e Eva, o dilúvio universal, Sodoma e Gomorra, a torre de Babel, as pragas do Egito e muitas mais.
Para que servem os castigos, além de eliminar os opositores? Porque tantas ameaças e advertências? A resposta é simples: para infundir o medo. O medo do castigo faz que os escravos trabalhem melhor e renunciem escapar. Um escravo com medo é mais obediente e submisso. O medo do castigo é o meio que utiliza o demiurgo para fazer que os homens transcorram sua existência submetidos a ele, obedecendo seus mandamentos. Para o demiurgo, o melhor escravo é aquele que teme e obedece melhor. Ele deseja que seus escravos desperdicem suas vidas trabalhando para sua causa, pensando que quando morrerem “vão para o céu.” Esse é o escravo perfeito para o demiurgo. Ele deseja que os homens envelheçam sem rebelarem-se, sem despertar, sem libertar seu Espírito. Para isso serve o medo e para isso a conspiração: para que nunca possam achar o caminho de Libertação e do Retorno.
Na ditadura do demiurgo, os homens somente tem liberdade para escolher entre várias coisas iguais. Entre várias coisas que são a mesma coisa, mas com disfarces diferentes. Existe liberdade de pensamento desde que não se contradiga o “pensamento politicamente correto”, imposto pelos representantes do demiurgo.
Tomemos o caso das religiões. Parecem todas diferentes, mas não são. São a mesma coisa, somente diferentes nas suas aparências. O chamem Brahma, Baal, Yahvé, Jehová, Moloch, Deus Pau ou Alá, é sempre o mesmo: o demiurgo.
Pretende-se dar uma falsa impressão da diversidade, para que o homem dormido creia que há uma variedade de caminhos, com destinos diferentes e liberdade para escolher entre eles. Inclusive existem homens que mudam de uma religião a outra, crendo que com isso fazem uma grande mudança.
René Guenón, por exemplo, levou anos de estudo e meditação para tomar a decisão de abandonar o cristianismo e para ingressar na maçonaria e no martinismo, para logo renunciar a tudo isso e converter-se em muçulmano. Ele acreditava ter dado saltos imensos com essas mudanças, mas a única coisa que fez foi dar voltas em círculo dentro do seu labirinto. E se Guenón, erudito nesse temas, teve semelhante confusão, já pode imaginar o que será do homem comum.
O caso do Santo Agostinho é o mais patético de todos. Pertencendo ao maniqueísmo em qualidade de ouvinte, e a ponto de conhecer Maniqueu pessoalmente, resolveu abandonar tudo e converter-se ao cristianismo. Com sua ação, Agostinho rechaçou ao Incognoscível e ao Espírito, optando pelo demiurgo e pela alma. Opôs-se ao radical ascetismo maniqueu, para encolunar-se atrás da nova religião, mundana e imperial, de Constantino: o cristianismo.
Existem pessoas medianamente despertas que, temerosas de passar sua vida dormindo, buscam desesperadamente uma saída no labirinto em que estão imersas. Por desgraça, a maioria ignora que as opções que aparecem ante seus olhos são a mesma coisa, somente com roupagens diferentes. O objetivo de tudo isto é que nunca possam encontrar a saída, que nunca possam dar-se conta que as religiões, como os partidos políticos, são a mesma coisa com diferentes rostos, todas sob o controle do demiurgo.
O Dalai Lama disse há anos que não deveria existir uma só religião, mas um “supermercado de religiões”. É esta a melhor maneira de fazer com que os homens acreditem que estão rodeados de uma diversidade de opções diferentes, e que quando escolherem obterão algo que é distinto do resto.
A finalidade destas religiões é manter o homem adormecido, conduzindo-lhe às cegas ao matadouro final: sua fusão com o demiurgo.
18. LUZ E ESCURIDÃO
Desde milhares de anos os hindus vêm dizendo que toda a criação, todo o criado, é Maya, ilusão pura, engano. Visto dos olhos do Espírito, toda a obra do demiurgo não existe na realidade, não é mais do que uma grande mentira. O mundo criado, tal como é percebido pelos sentidos, é um grande obstáculo que separa o homem do mundo verdadeiro. E não somente pelos enganos da matéria estão extraviados os seres humanos. Ao engano da matéria, criado pelo demiurgo, deve somar-se o engano da cultura, criado pelo homem e a serviço do demiurgo. Todos os estímulos culturais, com que é bombardeado o homem continuamente, tendem a mantê-lo em um estado de confusão e letargia. Livros, revistas, jornais, cinema, televisão, são os meios de que se valem os representantes do demiurgo para que os homens continuem hipnotizados e obedientes. Para que prossigam atuando como sonâmbulos, trabalhando, dormindo, perdendo tempo, desperdiçando oportunidades. Sem despertar jamais, como perfeitos zumbis ou “Golens” do demiurgo, servindo a um fim que não é o do Espírito.
Toda esta grande confusão, este grande Maya que provém da criação e que é continuada pela cultura, é transmitida, por sua vez, pelos pais a seus filhos e logo pelos professores nas escolas. Assim é aniquilado, desde que o homem nasce, até o menor traço de Espírito. Através de castigos, ameaças e “lavagens cerebrais”, são anuladas toda rebeldia, desobediência, oposição e tudo o que provenha do Espírito. Transformando a seus filhos em máquinas de obediência cega, os progenitores satânicos formam os futuros escravos do demiurgo.
Em meio a esta grande confusão, os homens crêem saber o que é bom e o que é mau. Crêem também que fazendo o que chamam de “bom” e evitando o que chamam de “mau”, estão cumprindo com todo seu dever. Não sabem quão confusos estão, não sabem que vivem no erro, não sabem que continuamente se auto-enganam e enganam aos demais. Não sabem por que estão dormidos, porque lhes foi “lavado o cérebro”, porque lhes anularam o Espírito desde seu nascimento. A maioria dos homens chamam de luz o que é a verdadeira escuridão e a Luz Verdadeira a percebem como trevas. Chamam “bem” a todo o satânico proveniente do demiurgo e a tudo o que provêm do Deus Incognoscível, chamam de “mau”.
Existem duas forças opostas atuando fora e dentro do homem: o criador e o Incognoscível, o criado e o Não Criado, a alma e o Espírito. Uma delas representa o mal e a escuridão, a outra o Bem e a Luz. É fácil imaginar quais serão as posições de um Gnóstico e as de um homem perdido.
Diz-se que toda a história humana pode ser explicada como a luta entre a luz e a escuridão, mas qual luz e qual escuridão? A maioria dos seres humanos desconhece que passa sua vida lutando a favor do mal verdadeiro. O que os homens chamam de luz é a luz criada pelo demiurgo, pois não conhecem uma luz superior a esta. É a luz que provêm do mundo criado e que para o Espírito é uma escuridão insondável. Os homens chamam de luz a escuridão que provêm do demiurgo e de sua criação demoníaca. Chamam de verdade a Grande Mentira, o Grande Engano, o que podemos denominar de a Grande Piada.
Existe outra Luz, superior, inconcebível, incognoscível: a Luz Não Criada, que provém do reino do Deus Verdadeiro e Desconhecido. O que ocorreria se essa Luz irrompe-se neste universo impuro? Os homens se cegariam. O que veriam? Veriam uma luz? Não, veriam a noite. Seus olhos não estão preparados para contemplar essa Luz infinitamente pura e perfeita. Assustar-se-iam, temendo, com seu coração, serem destruídos por ela. Então a essa luz, chamariam de “o mal”, “a escuridão”, como ocorre com tudo que é visto com os olhos impuros, do corpo e da alma do homem e não com olhos do Espírito.
Esta confusão entre escuridão e Luz, é a mesma confusão que existe entre o deus criador e o Deus Incognoscível, entre o criado e o Não Criado, entre a alma e o Espírito. Por isso, sem saber, os homens chamam de luz a escuridão verdadeira e a Verdadeira Luz, chamam de escuridão. A Verdadeira Luz os deixaria cegos, os destruiria. Se pudessem suportar sua visão sem morrer, somente veriam um escuridão sem igual, porque estariam vendo A Luz Verdadeira.
19. AS LOJAS BRANCAS E NEGRAS
Muito se fala ultimamente da loja branca e da loja negra. Os seres que as integram, atuam em outros planos dimensionais, por isso são invisíveis ao homem comum. Diz-se que a loja branca está formada por seres supostamente muito evoluídos, que tratam de ajudar os homens a evoluir, de acordo com o Grande Plano que o deus criador tem reservado para sua criação material e para suas criaturas. Como esta loja trata de ajudar ao homem, para que este possa cumprir satisfatoriamente sua função dentro do plano de criação, chama-se de “loja branca” ou “fraternidade branca”. Seria algo assim como “a loja boa dos seres bons da luz”.
Por outro lado, já podemos imaginar quem são os membros da loja negra: os que estão contra o plano de deus criador, os que tratam de evitar que esse plano se leve a cabo. Esta é a loja negra, os “bandidos do filme”. Devemos esclarecer que estamos utilizando as terminações “loja negra” para evitar confusões, porque assim se conhece vulgarmente, ao haver sido denominada desta forma pelos agentes do demiurgo. Jamais os representantes de Espírito integrariam uma “loja”. Seu verdadeiro nome é Ordem Negra.
A loja branca trabalha a favor do deus criador e de seu plano, enquanto que a loja negra trabalha contra. Por isso, aos membros da loja negra se denominam “os irmãos equivocados”. Porque “podendo ajudar a construir, decidiram destruir.” Ao sustentar que os membros da loja negra se opõe ao “plano perfeito de um demiurgo bom”, automaticamente se produz uma aversão natural contra esses “inimigos do bem”. O que deliberadamente se ocultou durante séculos, é que estes “inimigos do deus único” não se opunham sem motivo à obra deste criador. Ocultou-se que eles tem outro deus, que não é o diabo, mas sim o Deus Supremo e Verdadeiro. Ocultou-se que a luta para fazer fracassar os planos do demiurgo é uma tarefa sagrada destes guerreiros do Verdadeiro Bem. Ocultou-se que o Deus Incognoscível também tem um plano, infinitamente luminoso e perfeito. E tudo isto nos foi ocultado para nos enganar melhor. Para desprestigiar e caluniar com maior eficiência os Guerreiros de Espírito. Para que não possamos despertar. Para que não possamos “ser como deuses, conhecedores do bem e do mal”.
Existe uma guerra que começou com o Big Bang, a milhares de milhões de anos, entre estas duas forças da escuridão e da Luz, entre o deus criador e o Deus Incognoscível. As lojas branca e negra são suas respectivas hostes. Como este é o mundo do demiurgo, é ele quem decide a quem chamar de branco e a quem chamar de negro. O mundo do demiurgo é, também, o campo de batalha de onde a guerra é lutada.
Como são representados vulgarmente estes “mestres da sabedoria” da loja branca? São representados com aspecto angelical e bondoso, com barbas e roupagens brancas, como se fossem puros e imaculados. São representados assim para enganar melhor o descuidado. Para que ninguém possa suspeitar que estes são os verdadeiros demônios, encarregados de fazer cumprir o plano satânico do demiurgo. Para que ninguém possa intuir que estes enganadores de homens são quem procura que a humanidade prossiga às cegas, avançando até a morte do Espiritual. Para que ninguém jamais chegue a saber que estes carrascos do Espírito são quem desejam que cada homem seja uma peça de relógio a mais, uma máquina a mais, um elo a mais. Uma formiga a mais do Formigueiro Comunista Universal que o demiurgo satanás tem reservado para a humanidade como destino final.
Diz-se que ao final da evolução de cada homem, se perde a batalha final do Espírito e não se pode lutar nunca mais, aí é quando se verá os verdadeiros rostos deste falsos “mestres” da loja branca.
Nos últimos cento e cinqüenta anos, estes membros da loja branca começaram a ser descritos, cada vez com maior claridade. Seus nomes, aspectos e características se encontram nos livros de Helena Blavatsky e de seus seguidores, entre os que se sobressaem Alice Bailey. Falamos de um deles: Satãn Kumara. Vejam que nome! Isto foi demais, tiveram que mascarar depois, transformado-o em Sanat Kumara. Cada um deles, como o demiurgo, tem seus muitos nomes, muitos disfarces para enganar melhor. Alguns tem diretamente nomes de demônios, como Maitreya, de quem se diz que é “o verdadeiro Cristo”, ou os “mestres” Morya e Dwall Khul. Outros ostentam títulos nobiliárquicos, como o “príncipe” Rakotzy, um verdadeiro “príncipe das trevas”. Há muitos mais, todos similares. Igual que todo o criado, todos esses demônios, cascas vazias do demiurgo, serão desintegrados no pralaya.
Pelo contrário, os membros da loja negra são representados como seres horríveis, monstruosos. De que outra maneira poderia se representá-los no mundo do demiurgo? Chamam-lhes de “enviados de Satã”, ou “agentes do Maligno”. São representados como monstros destrutivos, geralmente vestidos de negro, para confundir melhor os crédulos.
Deixando de lado as falsidades elaboradas para desprestigiar a verdade, analisemos algumas características dos guerreiros da loja negra.
Em primeiro lugar, que aspecto poderia ter um ser divino, um Ser de Luz que entra neste inferno? Cara de felicidade não há de ter. Terá cara de dor, desfigurada pelo sofrimento. O sacrifício de Seres de Luz, que invadem o mundo do demiurgo para ajudar à humanidade extraviada, implica no maior sofrimento que se possa imaginar.
Em segundo lugar, de que cor dissemos que o homem dormido percebe a Luz Não Criada? Da cor negra mais intensa, sem dúvida. Porque a Luz Verdadeira cega os impuros. Ser representado de cor negra é uma honra para um Guerreiro de Espírito, porque o negro significa Luz pura, Luz que cega, Luz Verdadeira.
Em terceiro lugar, como é a conduta destes Seres de Luz quando irrompem no universo do demiurgo? Quando os guerreiros da loja negra penetram no inferno criado, o fazem por um tempo limitado, para cumprir uma missão determinada e logo sair daqui o mais rápido possível. Não tem tempo para perder, pois este mundo impuro é um tormento inconcebível para eles. Chegados ao gigantesco engendro demencial do demiurgo, o correto é golpear com eficácia onde mais doa e escapar. Para quem provém do mundo incognoscível, a guerra contra o criado é uma Guerra Total. Para eles, nada criado merece ser salvo.
Se um homem comum pudesse ver estes seres, se assustaria com sua agressividade e destruição. Os perceberia como inimigos perigosos, como seres imaginados por Lovecraft, ou os dos filmes “Hellraiser” ou “Predador”. Ao contemplar a realidade através do seu corpo e de sua alma, o homem comum vê o puro como impuro e seus salvadores como inimigos.
Os Guerreiros do Espírito detestam a matéria. São destruidores, sim, mas destruidores do impuro. Se um homem comum enfrenta a estes seres, tudo que há de impuro nele, seu corpo e sua alma, seria desintegrado. Estes seres são constituídos de fogo anti-matéria de outro mundo, por isso nem um só átomo criado pode colidir com ele sem desaparecer. Se Estes guerreiros se aproximarem de um homem comum, destruiriam seu corpo e sua alma, ainda que não seu Espírito, que é de fogo puro, como eles. Somente destruiria o absurdo, o enfermo, o que aprisiona o Espírito, o caixão que o envolve: o corpo e alma de animal equivocadamente chamado de homem.
Pelo contrário, os homens transmutados em Espírito puro nada temerão. Eles sim podem contemplar as realidades tal como são. Eles sim podem discriminar acertadamente entre o Bem e o mal. Eles sim podem ver os membros da loja negra como realmente são. Eles sabem que o fogo anti-matéria somente destrói o criado, não o não criado. O Espírito não teme a morte, simplesmente porque a morte não existe para ele, porque é eterno. E no dia em que for destruído tudo o que não serve, o dia em que toda a criação e seu criador forem desintegrados, quando não sobrar mais nada, nem um átomo, nem um corpo, nem uma alma, somente restarão os Espíritos, libertos para sempre. Já não haverá a dualidade nunca mais e o mundo voltará a ser um só: Fogo Eterno Incognoscível.
20. REBELDIA E OPOSIÇÃO
Os Gnósticos, uma vez delimitadas as diferenças absolutas e irreconciliáveis entre o deus criador e Deus Incognoscível, consideram o deus criador do mundo como algo totalmente inferior ao Deus Verdadeiro e Desconhecido. É lógico então, que afirmam que todos os mandamentos, todas as leis do criador do universo e do homem devem ser desobedecidas, porque essa não é a palavra do Deus Verdadeiro, senão a de outro, a do impostor, inferior e ineficaz. Para os Gnósticos, tudo o que está nos livros sagrados das religiões não é a palavra do Deus Verdadeiro e Incognoscível, mas sim o do deus criador ou demiurgo. Nesses livros estão seus mandamentos, o que ele deseja que os homens cumpram, como devem relacionar-se entre eles e como devem adorá-lo ou servi-lo. Os Gnósticos concluem que se estas leis são as do demiurgo, podem e devem ser desobedecidas.
Os Gnósticos se opõem, a principio, a tudo o que provenha do demiurgo. Tudo o que o criador declara, tudo o que ordene, tudo o que exige, deve ser desobedecido, porque esse não é o Deus Verdadeiro, mas sim um impostor que crê ser “o Único”.
Vista de fora e superficialmente por um homem comum, esta posição Gnóstica parece uma rebeldia abominável. O homem comum imagina que um deus bom criou o homem, ama o homem, deseja ajudá-lo, colocou muitas esperanças nele e necessita do homem para aperfeiçoar e completar sua obra. O homem comum veria com horror essa posição Gnóstica contra “o pai bom que o trouxe ao mundo”. O homem, a melhor das criaturas que deus criou, estaria se rebelando contra ele, opondo-se a ele, negando a ele. Que coisa horrível! Mas o que o homem comum não sabe, é tudo o que dissemos até agora sobre esse “pai bom” e suas obras e projetos.
Para a Gnose, a rebeldia contra o demiurgo não somente liberta o homem de sua escravidão e servidão, como também debilita e tira poder dele. Com sua oposição permanente, o Gnóstico paulatinamente vai adquirindo um poder igual, e logo, superior ao do deus criador.
Se o homem fosse somente um corpo e alma, se estas entidades criadas pelo demiurgo fossem tudo o que constituísse um homem, com certeza não haveria rebeldia alguma. Nada criado se rebela contra seu criador. O que ocorre é que existe algo no homem que não foi criado pelo deus criador: o Espírito Eterno. O Espírito foi trazido de fora, não pertence a este mundo. Foi agregado a esse engendro corpo-alma, para fazê-lo funcionar e evoluir. Mas foi posto aqui contra sua vontade, encontra-se encarcerado na matéria. É o Espírito que se rebela contra seu aprisionador. Escutem bem: esta rebelião provém do Espírito. É o não criado no homem o que odeia e se opõe ao satanás criador e sua obra.
Um homem Gnóstico, um homem que se transformou em seu próprio Espírito, um homem em que seu Espírito se libertou e que apoderando-se de seu corpo e alma os utilizam como instrumentos, esse homem será um grande rebelde, um grande opositor. Suas ações serão imponentes e demolidoras, como é o caso de todo Espírito liberto. E como é o caso de Caín, o demiurgo não terá poder sobre ele.
Um homem semi-dormido, pelo contrário, será um rebelde pela metade. Buscará às cegas uma saída. Opor-se-á quase inconscientemente ao mundo criado que envolve e asfixia seu Espírito. Suas ações semi-conscientes não permitirão uma rebeldia e oposição capazes de colocar o demiurgo e sua obra em perigo.
Dissemos que no processo de libertação do Espírito, o homem vai adquirindo um poder igual e logo superior ao do deus criador. Dissemos também que uma rebeldia e oposição, fortes e embasadas, debilitam e tiram poder do demiurgo. Isto nos leva às quatro posturas possíveis sobre a idéia que um homem pode ter do deus criador. A primeira delas: o demiurgo existe. O deus criador do céu e da terra existe.
A segunda posição: o demiurgo não existe. É o ateísmo. O deus criador não existe. Tudo o que existe é produto da evolução cega da matéria.
Estas duas primeiras posições, deus existe – deus não existe, são as tradicionais na história da humanidade. Sempre se pensou que não poderia haver uma terceira postura, mas veio Nietzsche e declarou “deus está morto”. Essa é a terceira idéia que sobre o deus criador pode ter o homem: deus existiu, mas agora está morto. Esta idéia parece ser algo intermediário entre existe e não existe.
A quarta posição é a minha posição Gnóstica: o deus criador existe, mas deve ser eliminado pelo homem.
Esta última posição parece ser a que mais horror tem causado, a julgar pela forma em que foi perseguida e ocultada. Os Gnósticos sustentam que o criador deve ser encurralado e debilitado, de forma tal, que não possa voltar a criar nunca mais nada e termine por desaparecer. A dualidade de mundos deve ser eliminada pelo homem. Haverá então somente um reino: o do Deus Incognoscível.
Os Gnósticos sustentam que os ataques devem ser dirigidos contra o deus criador, para romper o eterno retorno de manvantaras e pralayas, de ensaios e erros experimentais nesse Grande Plágio que jamais alcançará a perfeição. Se uma reação atômica em cadeia destruísse todo o criado, o demiurgo novamente voltaria a criar tudo outra vez. Por esta razão a Gnose afirma que é o deus criador que deve ser vencido e eliminado.
Em um interessante filme intitulado “Warlock”, um bruxo, que é o “bandido do filme”, tenta encontrar as palavras exatas com que o demiurgo criou o mundo. Pronunciando ao contrário essa fórmula, toda a criação desapareceria. Não se trata de uma idéia ruim, mas sim uma possível perda de tempo: assim que isso acontecesse, o demiurgo voltaria a criar tudo novamente.
Outro tema importante é o do suicídio. O suicídio parece ser uma rebelião contra o criador, mas não é. Quem pensa que através do suicídio conseguirá escapara das garras do demiurgo, está equivocado.
Quando um homem começa a despertar e passa a ver as coisas como são, teme ter ficado louco. Dá-se conta que tudo o que lhe foi ensinado foram mentiras, que está rodeado de loucos e sonâmbulos e que está imerso em um gigantesco campo de concentração habitado por insanos. Se este homem não encontra rapidamente a outros homens despertos como ele, é provável que pense em suicidar-se, tratando de fugir dessa prisão. Por isso a maioria dos homens preferem continuar dormindo. A maioria não quer conhecer a verdade: que habitam um gigantesco manicômio idealizado e controlado pelo Louco Supremo. Somente uma minoria de homens muito valentes buscará esse Conhecimento Especial capaz de despertá-los.
Vimos que a intenção de destruir a obra do demiurgo é algo inútil, pois este voltaria a criá-la novamente. Assim também, o suicídio é um erro, uma rebelião inútil e nesse caso, todo contrário a uma libertação.
Quando um homem comum se suicida, sua alma é separada do corpo, levando consigo o Espírito que está preso a ela que a entrega ao demiurgo. Na seqüência vem o julgamento, o castigo e o karma. Isto é o que acontece cada vez que um homem morre e o caso do suicida não é uma exceção. No caso do suicídio, o castigo infligido pelo demiurgo será maior: um prisioneiro tentou escapar e foi pego novamente. Castigo em dobro. O suicida não escapou de nada, não se libertou de nada. Ali está, novamente nas mãos do demiurgo. Para o homem comum, o suicídio não é uma saída nem numa libertação. Ao contrário, é um agravamento de sua situação.
Mas no caso de um homem que se realizou em Espírito, tudo é diferente, pois ele já não é um homem comum. É um fugitivo o cárcere do demiurgo. A ele já não podem alcançar o demiurgo e seus castigos. As leis do karma já não existem para ele. Ele se transformou voluntariamente em algo não-criado dentro do mundo criado e pode fazer o que quer, inclusive suicidar-se. Seu corpo e sua alma, impuros, foram divinizados pelo Espírito e já não pertencem ao demiurgo. Seu corpo, alma e Espírito foram convertidos em uma só coisa: indestrutível, imortal e eterna. Para esta classe de homem, o suicídio é simplesmente uma maneira de transladar-se de um ponto a outro do universo ou de uma dimensão a outra.
Esse tipo de homem é o que está descrito no mito cristão. Diz-se que quando foram buscar o corpo de Cristo não o encontraram, a tumba estava vazia. Claro, o Espírito levou o corpo e a alma com ele! Depois da “morte”, o corpo e a alma Espiritualizados, transformados em uma unidade indissolúvel com o Espírito, marcham com ele.
Vejamos um exemplo de um suicida famoso, agora que falamos de cristianismo. Esse suicida é Judas, o homem que traiu Jesus. Um homem comum, desinformado e confuso, diria que Judas é um monstro, que por sua culpa Jesus foi crucificado. Judas é o bandido dessa história. Quem poderia querer bem a Judas?
Sem dúvida, para os Gnósticos, Judas era um herói, um benfeitor da humanidade, que com sua traição ajudou com que se cumprisse a missão de Jesus. Inclusive existiu um “Evangelho de Judas”, que narrava todos estes acontecimentos do seu ponto de vista. Já podem imaginar o que ocorreu com esse evangelho.
Segundo os Gnósticos, Judas veio para ajudar a Cristo em sua missão. A traição de Judas é o que conduz diretamente Jesus a crucificação. A morte de Messias redimiu o mundo. A morte redentora do Salvador, sem Judas, não teria acontecido. Sem Judas, o cristianismo não teria triunfado como religião. Que diferente seria a história humana se não tivesse existido Judas, “o melhor dos discípulos do Senhor”.
Como poderia Judas importar-se com o fato de que gerações posteriores disseram que ele era um monstro? Esse é o destino dos heróis, dos grandes homens aqui, no inferno do demiurgo! Sem dúvida Judas sabia que posteriormente se falaria mal dele, que o desprestigiaria sem piedade, que seria odiado e depreciado por todos. Mas, como poderia importar-se com isso quem veio cumprir uma missão imprescindível, nada menos que junto a um dos salvadores do mundo? Por isso Cristo disse a Judas: “Judas, o que tens que fazer, que faça agora.” Sua “traição” foi fundamental para o futuro do cristianismo.
O que poderia fazer Judas depois de cumprir com êxito sua missão? Deveria abandonar o mundo de demiurgo, pois não tinha mais nada o que fazer aqui. Cumprida sua missão, deveria retornar a seu lugar no mundo incognoscível.
Judas se suicidou. Contam as tradições que Judas se dirigiu a uma árvore e se enforcou. Uma vez cumprida sua missão, um Guerreiro do Espírito pode recorrer ao suicídio como um forma de sair rapidamente de inferno do demiurgo. Pode fazê-lo porque ele não pertence a este mundo e, como dissemos, nem o criador nem suas leis tem mais poder sobre ele. Mas uma coisa é o suicídio de um guerreiro, um super-homem do Espírito, e outra coisa é o suicídio de um homem dormido. Por isso não é o mesmo o suicídio de Judas e o suicídio de um homem comum, que se desespera por qualquer tonteira do mundo da matéria e um belo dia se mata.
Afirmam os Gnósticos que a árvore em que Judas se enforcou, não era outra que a árvore de Éden.
21. A INICIAÇÃO GNÓSTICA
A iniciação é uma cerimônia, geralmente um ato grupal, no qual se transmitem a um aspirante, conhecimentos secretos que produzirão grandes mudanças nele. Uma vez iniciado, o aspirante nunca voltará a ser o mesmo. Quando uma iniciação é verdadeira, é um ponto de inflexão na vida do aspirante. Existe um antes e um depois da iniciação, porque ocorreu algo nessa cerimônia que mudou espetacularmente sua vida, algo que não poderá esquecer nunca mais. Conheci pessoas que receberam iniciações em distintos lugares, mas em nenhuma delas notaram algo especial. Sem dúvida, não se tratou de iniciações verdadeiras. Mas quando alguém recebe uma verdadeira iniciação, sua experiência é realmente impressionante e jamais a esquecerá. Alguns comparam esta experiência com o de ter sido atingido por uma espécie de raio, no meio da cerimônia. Essa “espécie de raio” é o que produz a mudança terrível que marcará para sempre a vida do aspirante. Nunca mais voltará a ser como antes. Pelo resto de sua vida estará orientado a uma meta, o objetivo particular da iniciação recebida.
Todo homem, cedo ou tarde deverá optar por um dos únicos caminhos, opostos e irreconciliáveis, que existem para ele: a realização de sua alma ou a realização de seu Espírito. Não existe uma terceira possibilidade. O caminho da mão direita, até o demiurgo, através do aperfeiçoamento da alma ou o caminho da Mão Esquerda, até o Incognoscível, através da libertação do Espírito. A alma ou o Espírito são o que constituem a meta ou objetivo particular de uma iniciação e por isso somente existem iniciações da alma ou iniciações do Espírito. Ambas têm por finalidade facilitar o acesso do aspirante até o destino escolhido por ele.
É importante conhecer as características principais de ambos os tipos de iniciações, a fim de poder discriminar sem erro entre uma e outra. Por desconhecer estes detalhes, muitos incautos caem nas armadilhas que os conduzirão diretamente ao demiurgo. É fácil equivocar-se, pois a falta de livros e informação deve somar-se às deturpações e falsificações. Vejamos o que é necessário saber para rechaçar com eficácia a fruta envenenada que nos oferecem os serventes do demiurgo.
Em primeiro lugar, o objetivo das iniciações da alma é a fusão final com o demiurgo. Isto dever ficar claro. Se alguém nos fala de uma “união com Deus”, de “perder-se em Deus”, da “fusão da consciência individual com a Consciência Una”, do samadhi (dissolução no demiurgo), etc., saberemos que estamos frente a uma religião, seita ou movimento esotérico encolunado atrás do demiurgo. Com certeza que as iniciações que possam ser outorgadas ali, serão as iniciações da alma e não as do Espírito.
Pelo contrário, nas iniciações de Espírito, jamais se fala de fusão com nenhum deus. No final do caminho, quando se produz um enfrentamento total com o demiurgo, o iniciado deverá resisti-lo e rechaçá-lo, excluí-lo e excluir-se para sempre. Nestes casos não se falará de samadhi, mas sim de kaivalya: a separação absoluta. Mas um kaivalya especial, não só uma separação total com respeito a todo o criado pelo demiurgo. Não. O verdadeiro kaivalya compreende inevitavelmente a separação total e absoluta com o demiurgo mesmo.
Em segundo lugar, nas iniciações que conduzem ao demiurgo se procura no aspirante uma debilitação do Eu e sua posterior renúncia a ele. Todo o movimento religioso que trabalhe em favor do demiurgo dará uma grande importância a necessidade de anular o eu dos aspirantes. Para que a fusão com o demiurgo tenha êxito, é fundamental que o aspirante renuncie a seu Eu. Uma vez que o Eu se desintegrar, a casca vazia em que o iniciado se converteu será cheia pelo demiurgo. Esse homem cumpriu a meta do demiurgo, esse homem percorreu um longo caminho para terminar dissolvendo-se naquele que o criou.
Ao contrário, nas iniciações do Espírito, procura-se sempre um engrandecimento do Eu e uma acumulação de poder. Engrandecer o Eu é aproximar o Espírito. Se não existe Eu, o Espírito não pode se manifestar. Renunciar ao Eu é renunciar ao Espírito.
Em terceiro lugar, nas iniciações da alma se fala de evolução, de futuro e de progresso. “A alma deve evoluir até fundir-se com Deus.” “Toda a criação evolui até Deus”. “A sociedade humana continuará evoluindo até chegar a ser uma comunhão universal de almas”. “Cada dia que passa o mundo está melhor”.
Ao contrário, nas iniciações do Espírito se fala de retorno e de passado. O mundo marcha pela degradação até sua destruição. Nada de bom nos espera no futuro. É imprescindível a restauração de Algo que existiu no passado. Para reparar a Grande Injustiça cometida pelo demiurgo e seus seguidores, é preciso retornar até esse passado para libertar o que tem que ser liberto e destruir o que deve ser destruído.
Em quarto lugar, nas iniciações de alma se falará de compaixão, devoção, amor, generosidade e serviço. Compaixão por todos os seres criados pelo demiurgo. Amor ao demiurgo e aos demais homens. “Amor a tudo o que o Sopro de Vida Divina trouxe à existência” (este “Sopro de Vida Divina” não é outro que o da respiração de demiurgo). Servir aos demais, aos “mestres” da loja branca e ao demiurgo, “para que se cumpra o Plano da Terra”. Também fazem menção à culpa e ao arrependimento.
Ao contrário, nas iniciações do Espírito se fala do aspirante como um guerreiro que declarou guerra total as forças da matéria. Não se fala de paz mas sim de espada, se fala de luta pela liberdade e de tomar o céu por assalto. Não se fala de amor nem de devoção, nem de culpa nem de arrependimento, mas sim de dever, de honra e de vingança. Deve-se ter claro que a medida o aspirante vá se Espiritualizando, aumentam nele a agressividade e a repulsa contra tudo o que é anti-Espiritual e impuro, material e criado. Esta é a hostilidade natural do Espírito contra o demiurgo e sua obra. Se o Espírito sentisse amor pelo demiurgo e sua criação, não seria um Espírito, seria uma alma. A alma é amor puro (ao demiurgo e sua obra). O Espírito é ódio puro (ao demiurgo e sua obra).
Estes detalhes que enunciamos, nos permitirão identificar melhor de qual bando estão as pessoas ou grupos religiosos que pretendem ajudar a outros. Ao escutar-los e ler seus livros, rapidamente sabemos se estão com Deus ou com o diabo. Nesta era das trevas, em que somente se fala da “realização da alma”, dos “poderes da alma”, do “perfeccionismo da alma”, é bom recordar que, ainda que perseguida e negada, existe também um libertação e realização do Espírito.
Uma vez definidos os tipos possíveis de iniciação, veremos em seguida outras características.
Nas iniciações Gnósticas, a pessoa recebem um certo conhecimento secreto. Este não é um conhecimento qualquer, mas sim um conhecimento que produz mudanças notáveis no aspirante. Trata-se de um conhecimento especial que tem o poder de transformar quem o escuta. Os Gnósticos dão uma importância capital a esse tipo de conhecimento (já vimos que Gnose significa isso: conhecimento). Por isso, para todo o Gnóstico a salvação não se alcança pela fé, mas sim pelo conhecimento. Este conhecimento secreto, transmitido durante a iniciação, não é o final do caminho, mas sim o princípio. Este conhecimento tem o poder de despertar e orientar o aspirante a sua meta final: a libertação do Espírito. Uma vez recebido e estudado, este conhecimento vai transformando o iniciado paulatinamente, por etapas. Para alcançar a mudança radical a que aspira, a transmutação final pelo Espírito, o iniciado deverá lutar permanentemente e sem descanso. A recordação e o impacto da iniciação lhe dará forças para não retroceder jamais nem esquecer sua meta.
Em uma antiga obra Gnóstica recentemente recuperada, a qual intitularam “O pensamento trimorfo”, diz-se que a iniciação “é uma experiência de conhecimento que conduz à realidade espiritual” (a realidade do Espírito). Diz-se também que é “um processo de ascensão que é derrota do cosmos e consolidação de verdadeiro” (o cosmos é a obra do demiurgo e o verdadeiro é o Espírito). Fala do conhecimento que liberta e purifica. Fala dos “homens que perseguem o mundo do Espírito” e dos “homens que caminham na matéria”. Fala das iniciações por etapas que paulatinamente vão purificando e facilitando o caminho de ascensão até o Espírito. Nesta obra, o demiurgo é chamado de “o grande demônio”.
Geralmente, as iniciações são três. Depois das transformações que produz a primeira iniciação e quando se considerar preparado, o iniciado receberá a segunda iniciação, a qual produzirá nele outros tipos de mudanças. E assim sucederá com a terceira iniciação, com a qual o caminho até a transformação final ficará totalmente acessível.
Outra característica das iniciações é que podem ser individuais ou coletivas. Até agora falamos de iniciações individuais, quando um homem decide transpor o umbral e ser iniciado. No segundo caso é já um povo ou uma comunidade inteira, cujos membros perseguem esta transformação como um só bloco. Estes casos são bem mais raros, mas houveram vários na história. Também pode existir o caso de uma auto-iniciação, quando o aspirante se sente preparado e decide iniciar-se a si mesmo.
Também há o caso de iniciações recebidas durante o sono.
Mais adiante veremos com maior detalhe estes últimos casos.
Quais seriam as características das iniciações Gnósticas na antiguidade? Todos os livros Gnósticos que as descreviam foram destruídos. Busquemos entre os inimigos dos Gnósticos, quem puderam ler essas obras. Irineo de Lyon foi um deles. Escreveu uma obra em cinco tomos intitulada “Adversus Haereses” (“Contra as heresias”). Somente se traduziu o Tomo I, o qual é mais ou menos fácil de conseguir e no qual Irineo zomba das idéias Gnósticas. Os demais Tomos estão em grego e latim, ocultos em alguma biblioteca de difícil acesso. É compreensível, pois o Tomo II refere-se às idéias do Grande Gnóstico Marción, e se trabalha para que ninguém conheça suas idéias, para que ninguém leia sua imortal obra “Antithesis”, por exemplo. Trabalha-se para que nenhum homem possa ser esclarecido por ela, despertado por ela, a não ser que alguma das religiões do demiurgo venha logo abaixo.
Mas o Tomo III, o mais ocultado, é o que descreve as cerimônias Gnósticas de iniciação. Se estes livros, contrários a Gnose, escritos, nada mais, nada menos, por São Irineu, cheio de calúnias e ironias contra ela, são tão zelosamente ocultados... o que poderia esperar-se de um livro autenticamente Gnóstico?
A grande erudita do Gnosticismo, Elaine Pagels, teve acesso ao Tomo III de Ireneo de Lyon, e em seu livro “Os evangelhos gnósticos” nos descreve alguns detalhes da iniciação Gnóstica. Diz-nos Pagels que o aspirante tomado consciência de que antes adorava e servia ao demiurgo, a quem até esse momento havia confundido com o verdadeiro Deus. Durante a cerimônia de iniciação, o aspirante se dirige ao demiurgo declarando sua independência com respeito a ele e sua criação, comunicando-lhe que já não pertencia a sua esfera de autoridade e que havia transcendido tudo isso. O iniciado reconhece o Deus Incognoscível, rechaça a autoridade do deus criador e seus mandamentos e declara que se libertou para sempre do poder do demiurgo. A partir dali, sua relação com o demiurgo será completamente diferente.
Através da iniciação, o iniciado mudou radicalmente sua relação com o deus criador. Separou-se do demiurgo e de toda a criação. Separou- se de seu corpo e sua alma. Desvinculou-se das leis que regem o mundo ,a matéria e o tempo. Desvinculou-se de tudo, menos de seu Espírito.
Com isto voltamos ao tema da auto-iniciação. Existem homens que se despertaram um pouco e buscam desesperadamente o caminho até a libertação de seus Espíritos. Estes homens podem se auto-iniciar, produzir por si mesmo a mudança transcendente que os leve até o Espírito.
Em seguida, vou relatar-lhes a fórmula de auto-iniciação que elaborei e apliquei a mim mesmo. A noite, estando deitado e pronto para dormir, qualquer um que deseje pode repeti-la mentalmente até dormir. Diz-se assim: “Quero separar-me do deus criador e de sua criação, quero separar-me da matéria e do tempo, quero separar-me do meu corpo e de minha alma, quero unir-me a meu Espírito, quero que se liberte meu Espírito, quero ser meu Espírito, eu sou meu Espírito”.
Esta fórmula de auto-iniciação produz resultados incrivelmente impressionantes, por isso deve ser aplicada com cuidado. Pelo menos no começo, é conveniente não aplicá-la todas as noites.
Este tipo de auto-iniciação noturna nos leva aos casos em que as iniciações são recebidas durante o sonho. Neste caso o aspirante se encontra fora do corpo físico e a cerimônia acontece em outras dimensões de universo criado. Existem iniciados que receberam uma, duas ou até três iniciações durante o sonho. Outros receberam a primeira no plano físico e as restantes fora dele. Cada caso é particular, não existem dois iguais.
Durante as cerimônias de iniciação efetuadas durante o sonho, o aspirante, ainda sem seu corpo físico, está plenamente consciente de tudo o que ocorre.
Não sé as iniciações de Espírito, também as da alma podem ser recebidas em outras dimensões.
No meu caso, busquei por todo o mundo e por muitos anos a quem pudesse dar-me a verdadeira iniciação Gnóstica. No final, soube que Esse iniciado vivia todos esses anos a menos de cem metros de minha casa! Eu buscava por longínquos países aquilo que estava ao alcance de minha mão. Quando fui bater em sua porta, disseram-me que há pouco tempo havia se retirado deste mundo. Foi tão grande minha decepção que pensei que a única maneira de ascender à iniciação Gnóstica autêntica seria me auto-iniciar durante sonho, em outras dimensões do mundo criado.
Relatarei algumas experiências que aconteceram comigo.
Uma noite, em que estava lendo o livro “O rosto verde”, de Gustav Meyrink, antes de dormir, repeti mentalmente várias vezes “quero a libertação do meu Espírito”, dormindo em seguida. Transcorrera meia hora, quando fui acordado por uma potente luz. Eu permanecia com os olhos fechados, mas via uma grande luz, tudo era luz para mim. Abri lentamente os olhos e pude comprovar que essa intensa luz enchia todo o cômodo. Pensei que alguém tivesse entrado na minha casa e havia acendido as luzes. Mas não, as luzes estavam apagadas, esta era uma luz diferente, uma estranha luz que nunca havia sido visto antes. Sem me mover, passei os olhos por todo o cômodo e descobri que a luz se originava de um canto do mesmo. Fluía dali um jato de luz que havia enchido o cômodo, como uma névoa luminosa que o inundava. Ante esses fenômenos devemos tratar de não assustar-nos, recordando que o medo não existe para o Espírito. O Espírito não teme nada porque é indestrutível, imortal e eterno.
Outra noite, depois de ler umas páginas do livro “A teoria da vida eterna”, de Rodney Collin, resolvi repetir mentalmente, até dormir, as palavras “quero receber a iniciação do Espírito”. Uns quarenta minutos depois despertou-me novamente a mesma luz da vez anterior, mas agora haviam mais duas pessoas no cômodo. Eu continuava com o olhos fechados, mas “sentia” que haviam dois homens ali, junto à minha cama. Pensei, como puderam entrar, se as portas e janelas estão fechadas e só eu tenho as chaves da casa? Eu temia abrir os olhos, temia olhá-los e temia que eles percebessem que eu estava acordado. Ouvi uma voz estranha e forte: “Chamaste-nos e viemos. Agora tens medo?” Continuei sem abrir os olhos e nada respondi. Desejei escapar dali, mas temia ser atacado por eles se o tentasse. Depois escutei “não estavas preparado totalmente”, e logo “não há outra maneira”. Imediatamente cravaram na minha cabeça um espécie de agulha, sem dar tempo de reagir ou defender-me. Senti que estavam injetando uma espécie de líquido no meu crânio, com o que me pareceu ser um tipo de seringa de metal ou algo assim. Em seguida dormi. Deste dia em diante, percebi em mim uma espécie de separação com respeito ao mundo e soube desde então, com exatidão e claridade, qual era a meta que devia dedicar todos meus esforços pelo resto da vida. Também notei que minhas dúvidas e flutuações, com respeito a qual era o caminho mais direto até o Espírito, havia desaparecido.
O medo em um homem é sinal de que está ainda compenetrado com o mundo criado e com suas leis. Sinal de que ainda ama o material, seu corpo e sua alma, e não quer perdê-los. Por esta razão sua separação com tudo o que é criado deve ser paulatina. A medida que avança em sua Espiritualização, o medo vai diminuindo, uma vez que, como já dissemos, vai aumentando sua hostilidade a todo o impuro e efêmero. Estas são as provas de que um homem está perto de seu Espírito.
Anos depois, vivi uma experiência similar, depois das repetições mentais prévias ao sonho. Apareceu a mesma luz e os mesmos homens. Desta vez a mesma voz disse: “Já não há medo”. E em seguida apoiaram na minha cabeça um estranho instrumento de emitia um espécie de raio laser, com o qual gravaram no meu crânio uma estranho sinal de forma geométrica. Depois esta segunda experiência, menos invasiva que a primeira, percebi que estava avançando até meu Espírito sem olhar atrás nem para os lados. O caminho tinha sido aberto completamente, havia se transformado em uma via direta pela qual somente restava transitar.
A terceira experiência iniciática tem por finalidade facilitar e favorecer a transmutação final, a Salvação Verdadeira.
22. A LIBERTAÇÃO VERDADEIRA DO ESPÍRITO
Com o que dissemos até aqui, estamos em condições de responder as três perguntas fundamentais que os homens raramente se fazem alguma vez em sua vida. Estas três perguntas são: Quem sou eu? Por que estou aqui? O que devo fazer nesta vida?
Quem sou eu? Sou um Espírito não-criado e eterno, encadeado ao corpo-alma criado e efêmero, aprisionado na matéria.
Por que estou aqui? Estou aqui para ser usado como animal de laboratório, em experimento “sem pé nem cabeça”, demente, concebido por um deus inferior. Este plano requer o aprisionamento de um Espírito Eterno, a fim de utilizar sua potência anti-material para impulsionar a evolução desse invento impuro e perecível denominado corpo-alma. Para que um homem possa alcançar alguma vez o objetivo final para o qual foi criado, sua transformação em demiurgo, é imprescindível a potência de um Espírito. Esta energia anti-material, capaz por si só de por em perigo toda a criação, é parcialmente desativada e diminuída a fim de ser utilizada sem perigo. Para isto o Espírito deve ser preso e confundido, para que venha a tona somente uma ínfima parte de seu potencial à obra sinistra de demiurgo.
O que devo fazer nesta vida? Devo despertar. Devo tomar consciência de minha verdadeira situação e achar uma saída. Em seguida devo libertar-me e escapar da prisão.
Demos resposta às três perguntas. Agora veremos o que nos diz sobre isto Gustav Meyrink, o grande iniciado Gnóstico que passou exitosamente por essa experiência. Meyrink nos da as chaves do processo de libertação do Espírito em sua obra mais profunda e extraordinária: “O rosto verde”. Vamos repassar esta chaves aqui, porque são uma resposta perfeita a terceira pergunta que fizemos sobre o que devemos fazer. Depois agregaremos coisas mais.
Disse Meyrink: “O segundo nascimento é espiritual”, “o segundo nascimento espiritual nos leva à vida eterna.” Meyrink nos da uma técnica, nos recomenda algo prático que devemos fazer: “Deves pedir ao espírito, porque o único que pode escutar-te é o espírito”, “deves falar com ele, pedir somente a ele”. Aqui Meyrink se refere sem dúvida que o Deus Incognoscível está muito longe para o homem comum, e o demiurgo, que tal vez poderia escutá-lo, é um juiz que jamais modificaria suas sentenças kármicas para atender um pedido insignificante de um insignificante homem. Somente resta pedir ao Espírito. No caso de um homem desperto e liberado as coisas são diferentes, ele sim poderá distorcer vontades, leis e destinos. Mas se um homem comum deseja ser escutado, deverá falar com seu Espírito. Diz Meyrink: “Se quiseres rezar, reza a teu eu invisível, é o único Deus que terá ouvidos a tuas orações.” Também completa: “Se queres avançar a galope, peça a teu espírito que te leve à grande meta pelo caminho mais curto, e ele o fará.” Para avançar até essa “grande meta” não há que olhar para trás, não há que olhar para os lados, não há que distrair-se, a atenção não deve ser desviada pelas tentações que existem no mundo. Há que ter os olhos e a vontade fixos nesta grande meta.
Meyrink nos deu umas boas idéias e podemos colocá-las em prática durante as noites. Estando deitados e prontos para dormir, podemos repetir mentalmente frases similares a esta: “Quero unir-me a ti, Espírito Eterno”, “quero despertar”, “leva-me a Grande Meta”. Indefectivelmente, na manhã seguinte notaremos mudanças. Mas muito poucos homens falam com seu Espírito. A maioria dorme como um tronco!
Para Meyrink, “a libertação do espírito é a única coisa digna a se fazer por um homem em sua vida, é a única tarefa que pode ser levada adiante, não existe outra tarefa que justifique tomar o tempo para se fazer, todas as demais obras são inúteis, esta é a única e a mais importante tarefa que um homem pode dedicar sua vida.”
A medida que o Espírito vai se libertando, vai Espiritualizando o corpo e a alma do homem. Essa é a “grande meta” de Meyrink, que o Espírito transforme o corpo, que o corpo seja Espiritualizado e transmutado pelo Espírito.
Que coisa terrível para o demiurgo, se isto acontecer! Ele criou o corpo e a alma do homem com outro fim: para que pareça a ele, para que se transforme nele. E agora eles se transformam em Espírito! Não somente o prisioneiro se libertou, mas levou consigo uma pedaço de sua obra! Ele criou o homem para que evoluísse até converter-se em canal de transformação do demiurgo mesmo, de seu criador, mas ele está se transformando em um instrumento de manifestação do Espírito! O Espírito liberado está levando sua obra mais importante e fazendo cair por terra com seus planos. O demiurgo criou o homem para que o admire e o adore, mas ocorreu o contrário: o corpo e a alma de homem foram transformados pelo Espírito em terríveis opositores ao criador e sua obra.
Disse Meyrink que a medida que o homem vai sendo transformado, vai tomando consciência do absurdo de tudo. Paulatinamente percebe que os demais homens não são mais que espectros e fantasmas. Um homem assim transformado, sente a solidão mais terrível que se pode imaginar. Mas lentamente irá se adaptar a este novo estado, irá superar todo o inferior e a solidão que sentia no princípio, e chegará em um novo reino: a vigília. Meyrink disse que “a vigília é o despertar do eu imortal e eterno”. O homem despertou e já não dormirá mais. Está em um estado de vigília permanente, como Caín, o Imortal. Somente o homem que despertou e se encontra Espiritualizado se tornou imortal e eterno, e nem sequer o pralaya poderá destruí-lo. Mas tudo isto não chega de graça, é somente uma remota possibilidade. Deverá ser conquistado mediante esforços supremos.
Meyrink agrega que, quando um Espírito se liberta, toda a criação se liberta um pouco. Quando um corpo e uma alma são Espiritualizados e transmutados pelo Espírito, toda a criação é Espiritualizada em certa medida. A Suprema Obra Gnóstica repercute no cosmos, dizemos nós.
Diz Meyrink assim: “Ainda que somente um homem se transforme profundamente, sua obra nunca perecerá, terá aberto um vácuo que nunca se fechará mais. Ainda que os demais não se dêem conta, terão desgarrado um pouco da rede que mantêm prisioneira a humanidade”.
Segundo Meyrink, quando o Espírito se faz forte, o homem assim transformado pode viver em várias dimensões de uma vez, pois alterou o tempo e o espaço. É um rei nestes mundos, ele se fez rei de toda a criação, pode transportar-se de um lugar a outro ou pode estar em vários lugares diferentes de uma vez. Assim é o poder de Espírito.
Aqui termina nossa resenha das principais idéias Gnósticas que Meyrink nos deixou. Vejamos agora que nos diz a Gnose Primordial sobre este processo de libertação do Espírito.
Para começar este processo, o homem deve eleger um de seus “Eus”, o mais forte, o mais parecido a seu Espírito. Não importam os demais Eus, somente importa esse Eu, o Eu do Espírito. Existem muitos Eus em cada homem, mas somente um corresponde ao Espírito. O resto são Eus da alma. Estes últimos impulsionam o homem a “amar a Deus”, “amar o próximo”, “oferecer a outra face”, “compartir tudo com os demais”, “colaborar com a obra de Deus”, etc. O Eu do Espírito, pelo contrário, é o máximo opositor ao criador e sua criação. É preciso distinguir entre o Eu que corresponde ao Espírito e ao Deus Incognoscível, por um lado, e aos demais Eus, verdadeiras legiões de diabos, por outro lado.
São Tomás dizia “distinguir para unir”, e um Gnóstico diria “distinguir para des-unir”. Distinguir para discriminar melhor, para pôr cada coisa em seu lugar e aceitar o bom e rechaçar o mau. Aceitar o que nos desperta e liberta e rechaçar o que nos encadeia e aprisiona. Distinguir para desunir e separar os bandos irreconciliáveis, em luta dentro do homem. Distinguir e separar para sair da confusão, para situar cada coisa no lugar que corresponde.
O Espírito no homem representa ao Deus Incognoscível. O corpo e a alma de homem representam ao deus criador. Isso é o que devemos distinguir: o bem e o mal dentro de homem.
Já dissemos que o homem tem ante si dois caminhos e deverá eleger um deles: o caminho do Espírito e o caminho da alma, engrandecer o Eu ou renunciar a ele, refletir o Incognoscível ou refletir o demiurgo. Quem eleger o caminho de Espírito deverá enfrentar o demiurgo e lutar contra ele cara a cara, única maneira de libertar seu Espírito.
Nesta luta final, o demiurgo será a grande força dissolvente, também chamada kundalini, o demiurgo no homem. Se o guerreiro fracassa não terá uma segunda oportunidade nesse manvantara. Seu Eu poderá ser desintegrado em mil pedaços, morrerá ou ficará louco. Nos manicômios existem muitos desses casos: guerreiros vencidos pela força kundalini do demiurgo. No melhor dos casos se converterá em um adorador permanente de criador, ou em um “mestre” da loja branca. Pelo contrário, se o Eu do Espírito é suficientemente forte, poderá vencer ao demiurgo-kundalini e libertar o Espírito para sempre. Perderá sua consciência por breve tempo e ressuscitará logo como Espírito. O guerreiro poderá apoderar-se, ainda, da força kundalini e usá-la contra o demiurgo mesmo. Também houveram casos em que o guerreiro está tão imbuído de poder Espiritual que o demiurgo-kundalini se nega a lutar contra ele e o guerreiro deve, por distintos meios, obrigá-lo a aparecer e combater. Nesta guerra final, tão essencial e definitiva, o guerreiro poderá perder tudo durante esse manvantara ou ganhar tudo por toda a eternidade. Que guerreiro não estaria ansioso por intervir nesta guerra?
Se o guerreiro é vitorioso, se conseguiu construir uma ponte até o Espírito e o libertou de sua prisão na matéria, alcançando a Salvação Verdadeira, aparecem ante ele novamente dois caminhos. Venceu o demiurgo, sua ação repercutiu em todo o universo e novamente se encontra revertido de poderes inerentes ao Espírito, infinitamente superiores a do deus criador. Mas deverá uma vez mais eleger entre duas possibilidades.
Um desses caminhos é retornar ao reino de Deus Incognoscível de onde veio e não retornar jamais ao inferno de demiurgo. Neste caso, voltará a ser o que era antes de seu encadeamento na matéria.
O outro caminho, pelo qual geralmente optam a maioria dos Espíritos liberados, é ficar neste mundo para lutar pela libertação dos demais Espíritos cativos. Então, ou abandona para sempre seu corpo e sua alma e regressa ao mundo de onde provém, ou decide permanecer aqui e continuar a luta pela libertação dos prisioneiros de demiurgo. Se decidir ficar, se tornará um salvador da humanidade e do mundo, em um divya imortal e eterno, em um novo membro da Ordem Negra dos Guerreiros do Espírito.
Quando um Espírito liberto opta por permanecer no inferno de demiurgo para continuar a luta, até que seja liberto o últimos do Espíritos encadeados, deverá utilizar seu corpo e sai alma como instrumentos. Mas seu velho corpo e sua velha alma, criados pelo demiurgo, não são aptos para conter um Espírito, que cortou as correntes e recuperou seus poderes. Seriam imediatamente desintegrados. O Espírito terá que transformar primeiramente seu corpo e sua alma. Originalmente impuros, de matéria demiúrgica e perecível, o corpo e a alma seriam transmutados pelo Espírito em matéria divina e eterna: o vajra indestrutível. O barro e o sopro do demiurgo se tornarão assim puros e gloriosos. Formarão com o Espírito uma só entidade, inseparável e indissolúvel por toda a eternidade. O Espírito estará assim revestido de vajra, a matéria divina que permitirá atuar e deslocar-se pelos espaços e tempo de plano do demiurgo, uma vez que produzirá fenômenos sincronísticos quase que continuamente.
O vajra, resultado da transformação da matéria impura por um Espírito liberado, é roxo como o sangue e mais duro que o diamante. O Vajra é indestrutível e eterno, não pode ser destruído pelo demiurgo ao final do manvantara.
O Espírito triunfante tirou do demiurgo parte de sua criação, em corpo e uma alma, e os transformou em matéria divina sobre a qual já não tem controle. Pelo poder do Espírito, o criado se transmutou em não-criado! O demiurgo criou o corpo e a alma do homem para que sirvam de cárcere do Espírito. E agora o Espírito liberto os utiliza como ferramentas para opor-se a usa obra e seus planos! Chegou a hora da vingança do Espírito.
Dizíamos que o Espírito se fez uma só entidade divina com seu corpo e alma. Agora será para sempre um Espírito-Alma-Corpo, por toda a eternidade. Essa entidade terá as mesmas características físicas que tinha o guerreiro no momento de sua transformação. Jovem, velho, ruivo, moreno, as mesmas características físicas que tinha no momento da transmutação em matéria divina de vajra indestrutível.
Neste processo de libertação e triunfo do Espírito, diz que o corpo e a alma morreram e ressuscitaram posteriormente. O Espírito os salvou e os integrou a ele. O Espírito, agora revestido de corpo-alma de vajra, se fez também distinto dos demais Espíritos. Já nunca será mais como era antes de seu aprisionamento pelo demiurgo: um Espírito livre no plano incognoscível. Decidiu permanecer no inferno demiúrgico e reverter-se de vajra indestrutível por toda a eternidade. O vajra será sempre sua marca e traço característico, aprova perfeita de seu triunfo sobre o demiurgo satânico e o sinal distintivo de sua transformação em Salvador de Humanidade e do Mundo. O corpo e a alma, divinizados e incorporados pelo Espírito, serão o troféu que ostentará eternamente como recordação de seu passado triunfante pelo mundo perverso de matéria criada.
Existe um antigo texto Gnóstico em que o Gênesis é narrado do ponte de vista da Serpente Lúcifer, desaparecido há mil e seiscentos anos e milagrosamente recuperado no século XX, em Nag Hammadi, Egito. Nesse texto, chamado “O Testemunho da Verdade”, existem alusões a influência do Espírito liberto sobre o reino demiúrgico. Ali lemos que “a ressurreição acontece quando se recupera o Espírito”, e mais adiante “a erupção do imortal no reino da morte.” Em outra obra Gnóstica achada também em Nag Hammadi, “O Tratado da Ressurreição”, existe uma referência a este processo: “quando se morre e se volta a recuperar o corpo...”
Nestas obras nos falam da ressurreição do corpo depois da morte. Somente um Espírito liberto e vitoriosos é quem provê a ressurreição e salvação verdadeiras. No mito cristão existem claras referências à obra de Espírito, prova da origem Gnóstica desta religião. Quando relata que foram buscar o cadáver de Cristo na tumba e não o encontraram, estão nos dizendo claramente que seu corpo era de vajra e que marchou com o Espírito. Ou seja, que se tratava de um verdadeiro Salvador do homem e do Mundo. Essa é a melhor prova. Desejaram-se saber se um guia da humanidade é um autêntico Enviado ou Salvador, o melhor que podemos fazer é ir buscar o cadáver em sua tumba. Se não o encontramos é porque seu corpo era de vajra, e em perfeita união com o Espírito, marchou com ele.
Além disso, no cristianismo jamais se afirmou que Cristo se “fundiu com Deus” ou “se uniu a Deus”. Pelo contrário, sempre se sustentou que “Cristo se encontra com seu corpo, sentado a direita de Deus.” Quando se diz “com seu corpo”, podemos dizer “de vajra”. Estas referências são claras: Cristo é uma entidade separada, e Deus ao que se refere não pode tratar-se do deus criador ou demiurgo.
O Espírito liberto e triunfante, se ingressa no plano, se ingressa no plano incognoscível o fará sempre com seu novo corpo de vajra roxo, de que já não poderá separar-se por nunca. Um homem assim renascido é um “duas vezes nascido”, é um “sem morte”, imortal e eterno. Um homem assim, que se libertou do demiurgo e sua cadeia de reencarnações, que se separou definitivamente de todo o criado, de todo o impuro, produzirá sempre um imenso reflexo em todo o universo criado. Quando um Espírito se liberta, toda a criação se liberta um pouco. Quando um Espírito consegue libertar-se e vencer o demiurgo no enfrentamento cara a cara com ele, ele perde força e os laços que aprisionam os demais Espíritos se tornam mais fracos também.
Quando um Espírito decidiu ficar no inferno do demiurgo, lutará incansavelmente até que todos os Espíritos sejam libertados e continuará lutando até que o demiurgo, debilitado, cesse suas respirações perversas de manvantaras e pralayas, até que já não possa criar mais nada e termine por desaparecer. Assim, estará desaparecida toda a dualidade e o mundo voltará a ser um só: o Reino Eterno de Deus Verdadeiro e Incognoscível.